terça-feira, 21 de outubro de 2008

Cidades criativas e o jogo dos sete erros

Cultura e Mercado - Ana Carla Fonseca Reis

Detroit. Uma cidade que já foi um ícone mundial da industrialização e ainda hoje é o berço automobilístico das quatro rodas dedicou os três últimos dias a um tema estonteante: cidades criativas. O momento não poderia ter sido mais oportuno: meses após as estatísticas terem revelado que mais de 50% da população deste planetinha azul vive em cidades e semanas após a explosão de uma crise que aqui está sendo comparada à de 1929.

Os sinais começam a se fazer sentir: se no Brasil fomos surpreendidos com a corrosão do valor do real em 48% em um mês, na sede da indústria automobilística boqueabertos estadunidenses ouvem rumores de que a combalida General Motors está em vias de comprar a Chrysler e prestes a se fundir com a Ford, três titãs do setor. Resumo de uma longa e ainda desconhecida ópera da qual todos nós seremos protagonistas: parece ter chegado a hora de admitir que, de fato, o modelo econômico com o qual trabalhamos até agora e que aos trancos e barrancos tentava sobreviver, está em seus estertores. Bem, se foi este modelo que nos levou a esta crise, não será ele que nos tirará dela.

É exatamente para tentar debater novos modelos e rotas de escape que surge o tema das cidades criativas: não como epicentro dos problemas, mas de suas soluções. Afinal, são justamente os centros urbanos, pequenos ou grandes, industriais ou de serviços, de países economicamente ricos ou pobres, onde se encontra a maior concentração de talentos e criatividade por metro quadrado. É nesses locais, movidos por inventividade ou necessidade, por opção ou falta dela, que pessoas das mais diversas vertentes se encontram, interagem, convivem. E é contando com esse substrato que várias cidades tëm tentado transformar seu tecido socioeconômico, baseado em uma das poucas coisas que não são padronizáveis: sua singularidade cultural.

Tal foi o foco do Creative Cities Summit 2.0, durante o qual os palestrantes, em uníssono, mostraram-se preocupados, mas otimistas – e também foi essa a tônica da minha fala. Aquele típico otimismo que nos leva a arregaçar as mangas, escancarar olhos e ouvidos e tentar encontrar outras formas de ver uma foto e encontrar os erros no jogo de sete erros. Um deles, já flagrado com letras de néon: o excesso de investimento na ciranda financeira e não em ativos reais, embora muitas vezes tão intangíveis como a criatividade e a cultura. O efeito disso pode ser sentido aqui, onde a população despencou de 2 milhões de pessoas para 800 mil, nas últimas décadas, levando ao virtual abandono de bairros inteiros. Hoje, parte das antigas fábricas está sendo transformado em condomínios e espaços alternativos, tentando resolver dois problemas ao mesmo tempo.

Outro erro, enfatizado com tanto fervor que me senti em casa, embora aqui como aí questionado e ainda não resolvido: a tendência vista quase como natural que nossos governos têm, com raríssimas exceções, de investir cifras astronômicas em infra-estrutura e tão pouco em quem tem de lidar com elas, como aliás foi reiterado por três dos mais lidos pensadores da economia criativa: Richard Florida, John Howkins e Charles Landry, juntos pela primeira vez.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Economia da cultura

Diário da Manhã - Da Redação

São bastante recentes as discussões sobre a economia da cultura e os benefícios gerados por ela ao desenvolvimento econômico. Dentro dela, enquadram-se os produtos e serviços que possuem potencial financeiro e valor simbólico, como o artesanato, indústrias culturais, turismo cultural, patrimônio cultural, moda, design, música, artes cênicas, produções cinematográficas, equipamentos culturais como teatros, cinemas, museus, dentre outros. Este mercado, sempre em expansão, teve seu primeiro panorama no Brasil estudado em 2006, quando o IBGE apurou os gastos dos brasileiros com cultura e constatou que as famílias gastam 4,4% de seu orçamento mensal com cultura. Sendo este o quarto item da lista das despesas familiares, superado apenas por habitação, alimentação e transporte.

Em parceria com o Ministério da Cultura, em 2008, o IBGE realizou pesquisa dos indicadores da economia da cultura e obteve números expressivos: no Brasil, 320 mil empresas atuam no setor cultural, o que representa 5,7% do total das empresas do País, e geram 1,6 milhões de empregos, 4% do total de postos de trabalho, e os salários médios são de 5,1 salários mínimos, 47% superior à média nacional.

Nas estimativas do Banco Mundial, a economia da cultura representou 7% do PIB mundial em 2003. Nos EUA, ela representa algo em torno de 7,7% do PIB e 4% da força de trabalho, e os produtos culturais encabeçam a lista de exportações do país. Na Inglaterra, as produções culturais corresponderam a 8,2% do PIB em 2004 e empregaram 6,4% dos trabalhadores e desde 1997 vem crescendo 8% ao ano. Resultados tão positivos levaram o governo inglês a criar, em 2006, o Ministério das Indústrias Criativas. No Brasil, o ex-ministro da Cultura Gilberto Gil fez do tema uma das prioridades de sua gestão, e o BNDES criou recentemente o Departamento da Economia da Cultura.

Diante disso, é preciso intensificar as estratégias para este segmento, com largo potencial de expansão no Brasil. Delas devem constar facilidades para os financiamentos públicos e privados, legislações específicas, capacitação dos agentes envolvidos, regulação, dentre outras ações que permitam a profissionalização dos responsáveis e a execução de planos, programas, projetos que, desta forma, intensifiquem as produções culturais.

Em parte, o governo federal já vem fazendo seu papel, através do Ministério da Cultura, nos diversos eventos e projetos que apóia pelo Brasil. Mas é preciso também ter políticas públicas municipais dispostas a mergulhar neste tema e acreditar nas potencialidades locais existentes e nelas investirem, permitindo o desenvolvimento cultural das cidades. Mas os investimentos públicos em cultura nos municípios brasileiros são bastante tímidos. Conforme divulgou o Ministério da Cultura, a média nacional é 0,9% do orçamento total do município – exceção para Recife, que possui algo próximo de 2% do orçamento dedicado aos investimentos culturais.

Um maior investimento em cultura não irá gerar apenas mais emprego e renda aos entes envolvidos. Ele também possibilitará o desenvolvimento de uma consciência crítica e desenvolverá as diversas potencialidades dos indivíduos que a eles tiverem acesso. A ampliação e formação de novo público para os eventos culturais incluirão grande faixa da população, promoverão mais cidadania e permitirão que todos tenham mais uma oportunidade de trabalho, lazer e, obviamente, acesso à arte.


Marcos Haddad é produtor cultural, economista e especialista em políticas públicas. Foi diretor do Tesouro Municipal da Prefeitura de Goiânia, assessor parlamentar e atualmente é coordenador de Políticas Públicas da Secretaria do Desenvolvimento Territorial do Ministério do Desenvolvimento Agrário,
em Brasília