01 de abril de 2008
"O PRODEC trabalha na formulação e implantação de projetos voltados ao desenvolvimento e à dinamização dos principais segmentos da Economia da Cultura no país"
Paula Porta
Assessora especial do Ministro da Cultura e
Coordenadora do Prodec
A produção, a circulação e o consumo de bens e serviços culturais começaram a ser percebidos como um segmento de peso na economia das nações já no pós-guerra. Mas foi apenas na década de 1970 que se aprofundou o interesse pelo setor e a Economia da Cultura passou a mobilizar pesquisadores em algumas universidades. Na década de 1990, ganha espaço nos órgãos internacionais de cooperação, começando a ser entendida como um vetor de desenvolvimento. Progressivamente órgãos como BID, PNUD, OEA, Unesco passam a incluir questões relacionadas à Economia da Cultura em seu escopo de ação.
O Banco Mundial estima que a Economia da Cultura responda por 7% do PIB mundial (2003). Nos EUA a cultura é responsável por 7,7% do PIB, por 4% da força de trabalho e os produtos culturais são o principal item de exportação do país (2001). Na Inglaterra, corresponde a 8,2% do PIB (2004), emprega 6,4% da força de trabalho e cresce 8% ao ano desde 1997.
A Economia da Cultura, ao lado da Economia do Conhecimento (ou da Informação), integra o que se convencionou chamar de Economia Nova, dado que seu modo de produção e de circulação de bens e serviços é altamente impactado pelas novas tecnologias, é baseado em criação e não se amolda aos paradigmas da economia industrial clássica. O modelo da Economia da Cultura tende a ter a inovação e a adaptação às mudanças como aspectos a considerar em primeiro plano. Nesses setores a capacidade criativa tem mais peso que o porte do capital.
As novas tecnologias, sobretudo a digital, criaram novos produtos, novas formas de produzir, de divulgar, de distribuir e de consumir, conseqüentemente, criaram novos modelos de negócio e novas formas de competição por mercados.
A Economia da Cultura é hoje o setor de maior dinamismo na economia mundial, tem registrado crescimento de 6,3% ao ano, enquanto o conjunto da economia cresce a 5,7%. A Economia da Cultura integra o segmento de serviços e lazer, cuja projeção de crescimento é superior à de qualquer outro, estima-se que cresça 10% ao ano na próxima década1. Esse potencial de crescimento é bastante elástico, pois o setor depende pouco de recursos esgotáveis, já que seu insumo básico é a criação artística ou intelectual e a inovação.
Além, de seu dinamismo, há um conjunto de características que vem conferindo à Economia da Cultura status de setor estratégico na pauta das estratégias de modernização e desenvolvimento:
a geração de produtos com alto valor agregado, cujo valor de venda é em grande medida arbitrável pelo criador;
a alta empregabilidade e a diversidade de empregos gerados em todos os níveis, com remuneração acima da média dos demais;
o baixo impacto ambiental;
seu impacto positivo sobre outros segmentos da economia, como no caso da relação direta entre a produção cultural e a produção e venda de aparelhos eletrônicos (tv, som, computadores etc.) que dependem da veiculação de conteúdo;
suas externalidades sociais e políticas são robustas. Os bens e serviços culturais carregam informação, universos simbólicos, modos de vida e identidades; portanto, seu consumo tem um efeito que abrange entretenimento, informação, educação e comportamento. Desse modo, a exportação de bens e serviços culturais tem impacto na imagem do país e na sua inserção internacional;
o fato do desenvolvimento econômico desse setor estar fortemente vinculado ao desenvolvimento social, seja pelo seu potencial altamente inclusivo, seja pelo desenvolvimento humano inerente à produção e à fruição de cultura;
o potencial de promover a inserção soberana e qualificada dos países no processo de globalização.
Diante de tantos atributos, criar mecanismos diferenciados e adequados de desenvolvimento e fomento da Economia da Cultura, que é baseada em grande parte em ativos intangíveis, é um desafio a ser enfrentado de imediato.
Afora o caso paradigmático dos EUA, que já não requer ação estratégica do Estado, podemos citar o exemplo da Inglaterra, que conta com um ministério das indústrias criativas, independente do Ministério da Cultura, como marco da crescente importância que o setor vem adquirindo nas economias nacionais. Do mesmo modo, já começam a se estabelecer programas em estados e, mesmo, em municípios, que identificaram vocações locais capazes de gerar dinâmica econômica.
A ECONOMIA DA CULTURA NO BRASIL
Nosso país possui evidente vocação para tornar a Economia da Cultura um vetor de desenvolvimento, baseado na sua diversidade cultural e na sua alta capacidade criativa.
O Brasil tem importantes diferenciais competitivos nesse setor:
a facilidade de absorção de novas tecnologias;
a criatividade e a vocação para inovação;
a disponibilidade de profissionais de alto nível em todos os segmentos da produção cultural;
a alta qualidade e a boa aceitação de nossos produtos culturais em diferentes mercados.
Além disso, o Brasil possui um mercado interno muito expressivo, onde a produção cultural nacional tem ampla primazia sobre a estrangeira. A música e o conteúdo de TV são exemplos robustos, em que o predomínio chega a 80%.
A conjuntura externa também é amplamente favorável, o Brasil está na moda e precisa consolidar os mercados conquistados e ampliar a presença de sua produção em novos mercados. É preciso que a cultura integre de forma vigorosa a pauta de promoção de exportações.
A participação da cultura nas atividades econômicas do país já é bastante expressiva, como mostram os números que começam a ser sistematicamente coletados pelo IBGE a partir do convênio firmado com o Ministério da Cultura, que também prevê a construção dos indicadores da Economia da Cultura e que deverá culminar no estabelecimento do PIB da Cultura.
Atuam no país 320 mil empresas voltadas à produção cultural, que geram 1,6 milhão de empregos formais. Ou seja, as empresas da cultura representam 5,7% do total de empresas no país e são responsáveis por 4% dos postos de trabalho.
O salário médio mensal pago pelo setor da cultura é de 5,1 salários mínimos, equivalente à média da indústria, e 47% superior à média nacional.
A segunda pesquisa lançada pelo convênio MinC-IBGE, o anexo Cultura à Pesquisa de Informações Básicas Municipais (a Munic 2006); levantou dados relativos à presença da cultura nas 5.564 cidades brasileiras. O investimento público dos municípios em cultura ainda é bastante restrito, não ultrapassa a média de 0,9% do orçamento total das prefeituras (proporção praticamente idêntica ao orçamento do MinC frente ao orçamento da União). Recife atualmente é uma das poucas cidades onde esse índice é mais elevado, chega próximo ao recomendado pela Unesco (2%).
A pesquisa aponta números relativos a equipamentos e ações culturais. A presença de lojas de discos e dvds cresceu 74% em sete anos; o número de salas de cinema cresceu 20%, apesar delas estarem presentes em apenas 8,7% das cidades; já as videolocadoras estão em 82% das cidades brasileiras. O número de salas de espetáculo cresceu 55%; o de museus 41% e o de bibliotecas 17%. As rádios comunitárias estão em 49% dos municípios, superando as fms (em 34%) e as ams (em 21%); e a tv está em 95,2% dos municípios.
A atividade cultural mais presente nos municípios é o artesanato (64,3%), seguida pela dança (56%), bandas (53%) e a capoeira (49%), esta última além da expressiva presença no país é, ao lado da música, um dos segmentos que maior interesse despertam no exterior. Os festivais apresentam-se como a mais dinâmica forma de difusão cultural no país: 49% das cidades contam com festival de cultura popular, 39% com festival de música, 36% com festival de dança, 26% com festival de teatro e 10% com festival de cinema.
Os números confirmam que um dos principais gargalos no desenvolvimento da Economia da Cultura é a concentração e baixa capilaridade dos equipamentos culturais, que dificulta a circulação e o acesso a produtos e serviços. Dificuldade que é parcialmente suprida pelos festivais.
OS DESAFIOS
O desenvolvimento da economia da cultura exige mecanismos diversificados de fomento, diferentes da política de apoio via leis de incentivo fiscal. É preciso formular ações integradas e contínuas que enfrentem os principais gargalos do setor.
Implantar uma estratégia para esse setor - envolvendo financiamento, legislação, capacitação e regulação - é um desafio imediato se quisermos aproveitar oportunidades geradas pelas novas tecnologias que estão alterando modelos de negócio e formas de acesso a mercados. Esse desafio envolve Estado, entidades setoriais e iniciativa privada e requer:
implantar agendas para o desenvolvimento dos segmentos mais dinâmicos e estratégicos;
aprofundar o conhecimento sobre os segmentos para subsidiar as políticas de fomento e estimular o planejamento estratégico de empresas e de políticas públicas. Isso envolve a construção de indicadores, a coleta de dados primários, os diagnósticos setoriais, o estudo das cadeias produtivas e dos modelos de negócio, o mapeamento dos empreendedores;
capacitar empresas e produtores, sobretudo no que diz respeito aos novos modelos de negócio, à inserção no mercado (nacional e internacional) e à gestão de propriedade intelectual (essa uma absoluta prioridade face os riscos de desnacionalização de propriedade intelectual);
identificar vocações regionais e oportunidades no mercado interno e externo, que ajudem a definir o foco prioritário das ações;
capilarizar e dinamizar a distribuição, a circulação e a divulgação de produtos e serviços culturais, já que este tripé é hoje o maior gargalo no desenvolvimento de todos os segmentos da Economia da Cultura;
enfrentar a necessidade de atualizar a legislação pertinente ao setor e identificar as necessidades de regulação.
AS AÇÕES DO MINC E O PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO DA ECONOMIA DA CULTURA
A cultura como economia com características que exige ações diferenciadas para promover seu desenvolvimento é um dos eixos prioritários da ação do MinC. Em 2006, criamos o Programa de Desenvolvimento da Economia da Cultura (Prodec).
Trabalhamos com o termo Economia da Cultura ao invés de Economia Criativa ou Indústria Criativa por entendermos que o primeiro, ao invés de delimitar o campo, o alarga, pois abrange outros setores como ciência e tecnologia. Já o conceito de indústrias criativas circunscreve o campo aos setores regidos por patente e propriedade intelectual.
A propriedade intelectual é, sem dúvida, um dos grandes ativos da Economia da Cultura, mas muitos segmentos economicamente dinâmicos, como o das festas populares, não são necessariamente geradores de propriedade intelectual. O termo indústrias criativas não dá conta do conjunto da economia da cultura no Brasil.
A Economia da Cultura, no âmbito do Prodec, abrange todos os setores que envolvem criação artística ou intelectual, individual ou coletiva, assim como os produtos e serviços ligados à fruição e à difusão de cultura (como museus, patrimônio histórico, salas de espetáculo, turismo cultural etc.). São eles:
Todos os segmentos artísticos (música, audiovisual, artes cênicas, artes visuais)
Telecomunicações e radiodifusão (conteúdo)
Editorial (livros e revistas)
Arte popular e artesanato
Festas populares
Patrimônio Histórico Material e Imaterial (suas formas de utilização e difusão)
Software de lazer
Design
Moda
Arquitetura
Propaganda (criação)
Consideramos os pólos mais dinâmicos da Economia da Cultura no Brasil:
Música (produtos e espetáculos).
Audiovisual (em especial conteúdo de tv, animação, conteúdo de Internet e jogos eletrônicos).
Festas e expressões populares (onde se destacam o Carnaval, o São João, a capoeira e o artesanato).
O Ministério da Cultura, desde o início da atual gestão, vem dialogando e estabelecendo parcerias com órgãos federais de fomento e pesquisa para inclusão em seus escopos de trabalho de ações voltadas à Economia da Cultura. No caso dos bancos, há um trabalho importante de adaptação de mecanismos de fomento às características de um setor que tem como base ativos intangíveis, o que costuma ser uma barreira, principalmente no tocante às garantias para uso de instrumentos diferenciados de crédito.
Com o BNDES desenvolvemos linhas especiais de crédito para a instalação de salas de cinema, programas editoriais e produção de conteúdo audiovisual (uma linha para a música já está em estudo). Com o Banco do Nordeste, trabalhamos na adaptação das linhas de microcrédito para a realidade do setor, o que resultou numa mudança significativa no tocante às garantias. Com o Banco da Amazônia as ações seguem na mesma linha. Estão em curso formulações com o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal.
O convênio com o IBGE, firmado em 2004, que já resultou nas pesquisas mencionadas, prevê a coleta sistemática de dados sobre a cultura, a construção de indicadores e deve culminar no estabelecimento do PIB da cultura. Com o Sebrae trabalhamos na elaboração de seu termo de referência para orientar as ações voltadas à cultura, e devemos avançar na formulação de programas de capacitação para atender às necessidades das empresas do setor. O IPEA tem sido parceiro no encaminhamento de pesquisas.
Na área de cooperação internacional, além de convênios para troca de experiências e ações de reciprocidade com os centros de Buenos Aires e Barcelona, estabelecemos parceria com o BID para a contratação de pesquisas de cadeia produtiva e consultorias especializadas.
A execução das ações no âmbito do PRODEC pressupõe parcerias institucionais com órgãos governamentais (federais, estaduais e municipais), órgãos internacionais, associações setoriais e outras organizações com reconhecida capacidade de atuar diretamente junto aos empreendedores do setor.
Alguns estados brasileiros já começam a planejar ações de fomento à Economia da Cultura, principalmente relativas à coleta de informação e à capacitação.
O Prodec está estruturado em 4 eixos de ação:
coleta e produção de informação: diagnósticos, construção de indicadores, coleta e sistematização de dados, estudos e pesquisas. Visa dar suporte à formulação e implantação de mecanismos de fomento aos diversos segmentos da Economia da Cultura.
capacitação:
a) de empreendedores, cooperativas e empresas: visa promover a qualificação e atualização de profissionais, cooperativas e empresas do setor, com foco em gestão empresarial, novos modelos de negócio, gestão de propriedade intelectual, inovação e exportação, de modo a qualificar e ampliar sua inserção no mercado interno e externo.
b) de técnicos de nível médio: visa estimular a formação de profissionais especializados de acordo com a identificação de demandas dos segmentos da cultura.
promoção de negócios: apoio a feiras de negócios setoriais (não inclui feiras exclusivamente de produtos), exportação, logística de distribuição de bens e serviços, atualização tecnológica e de infra-estrutura e outros. Visa promover a ampliação do volume de negócios dos diversos setores, o aumento das exportações e o barateamento de produtos e serviços, ampliando o consumo e o acesso.
formulação de produtos financeiros: visa dar suporte às instituições financeiras e de fomento na formulação de produtos adequados às necessidades dos segmentos da Economia da Cultura.
O programa trabalha na formulação e implantação de projetos voltados ao desenvolvimento e à dinamização dos principais segmentos da Economia da Cultura no país. Busca articular projetos de modo a enfrentar gargalos. A ação do programa não se dá através de apoio a projetos pontuais.
Fomentar o desenvolvimento da Economia da Cultura requer ações diferenciadas tanto das tradicionais políticas de fomento via fundos de cultura ou leis de incentivo fiscal, quanto das políticas de fomento a outros setores da economia. Do mesmo modo, ações que tem por finalidade a geração de renda através da cultura apenas tangencialmente se relacionam com o desenvolvimento da Economia da Cultura.
Ainda é preciso evoluir muito, tanto nas ações de fomento, quanto na capacidade de formulação e planejamento por parte dos realizadores e organizações do setor. É preciso ultrapassar a lógica de projetos pontuais em prol de estratégias de desenvolvimento.
A diversa e sofisticada produção cultural brasileira, para além de sua indiscutível relevância simbólica e social, deve ser entendida também como um dos grandes ativos econômicos do país, pelo seu potencial de gerar desenvolvimento qualificado. É preciso reconhecer esse potencial e fomentá-lo, pois isso significa a geração de riqueza e inclusão social, além de uma inserção qualificada no país no cenário internacional
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sexta-feira, 6 de junho de 2008
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