segunda-feira, 25 de junho de 2007

As regras do jogo estão aí. É hora de fazer acontecer.

por Edmilson Baggio Vieira

Este texto é fruto da participação da Oficina Virtual de Economia da Cultura, e tem o propósito ser uma modesta contribuição para o Seminário Internacional de Diversidade Cultural.

Há uma consciência entre os debatedores de que, neste momento, mais importante do que contextualizar, conceituar e definir o que fazer, estamos na fase de definir como fazer o que tem que ser feito. Mesmo assim, aproveitarei a oportunidade para manifestar a minha visão sobre o assunto e o contexto, dizendo uma série de obviedades e assumindo o ônus de ser repetitivo para os mais inseridos no assunto. Isto é para que as propostas pragmáticas ao final deste texto, possam ser julgadas à luz de minha visão sobre o mundo atual.

“A convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade Cultural é um marco histórico e tem importância proporcional àquela que teve e tem a declaração universal dos direitos humanos”. Esta mensagem trazida à nossa oficina pelos integrantes dos representantes do ministério da cultura do Brasil como sendo a manifestação do Ministro Gilberto Gil, sintetiza a importância e relevância da convenção.

Preservar nossa cultura é preservar o que somos como indivíduos e como seres coletivos. É um sistema de crenças, valores e hábitos que nos faz ter identidade, seja ela diversa ou igual à de outros indivíduos e grupos do lugar em que habitamos. Senão, o que é ser judeu ou árabe, curdo, caiapó, kaigangue, tupinambá, inca ou brasileiro?

“Ser brasileiro” é, acima de tudo, uma questão cultural e como tal extrapola os limites de fronteiras que politicamente convencionamos existirem. Se é que existe um “ser brasileiro” - É mais provável que este “ser” ainda esteja em formação, fruto da fusão inconclusa de vários povos, línguas e culturas -, o que, em virtude de nossa história particular, faz a questão da diversidade cultural ganhar importância ainda maior para nosso país, pois somos um dos mais ricos locais da Terra em quantidade de diversidade cultural, e somos capazes de continuar recebendo de braços abertos, permanentemente, influências externas, criando um moto continuum de transformação e renovação, ao mesmo tempo em que, sem nenhum medo de errar, preservamos, por obra de sermos gigantes pela própria natureza, as únicas culturas que ainda não se tornaram iguais a um padrão cultural que se estabeleceu no mundo globalizado: a cultura de consumo – um consumo que só tardiamente percebemos ser capaz de nos levar à autodestruição.

Quando falo de uma cultura não igual, refiro-me aos índios não contatados da Amazônia. As últimas 42 tribos do mundo que ainda não foram “catequizadas” para esta cultura de submeter a natureza à sua vontade e consumi-la à exaustão. Estes povos que habitam ali, e graças aos quais, aquela floresta ainda existe, são povos “excluídos”, graças à imensidão da Amazônia e por vontade própria, da lógica perversa do consumo e troca de mercadorias que gera ao mesmo tempo riqueza e pobreza, fartura e carência. Ali, eles não sabem o que é riqueza, nem o que é carência, e vivem à margem desta mentalidade uníssona de que o homem é criatura que deve submeter a natureza à fim de servir-se dela com produtos para seu consumo.
Nós, os povos que debatem e lêem convenções internacionais e este artigo, sabemos muito pouco ou quase nada sobre como conviver com a natureza sem transformá-la em lixo, seja reciclável ou não. Nós já consumimos quase todo o petróleo que a Terra foi capaz de criar, praticamente todo ouro, diamante e outros minérios, e tendemos a não ter mais minério de ferro e outros componentes da natureza num futuro próximo. Certamente encontraremos substitutos até melhores para nos servir, mas a natureza não encontrará. E como sabemos pouco de qual a real função destes elementos no equilíbrio do sistema natural, somos, portanto, incapazes de avaliar quais serão as conseqüências da extinção destes elementos para o equilíbrio da natureza, e seus impactos na vida humana. Nossa melhor esperança agora é aprender como conviver com a natureza sendo capaz de preservá-la ao invés de subjugá-la. Saber, se não exclusivo, muito mais evidente e concreto no modo de vida destes índios não contatados da Amazônia brasileira.

Não imagino que possamos voltar a viver pelados pintados de verde num eterno domingo no paraíso da “pindorama” ou da Terra brasilis pré-colombiana ou “pré-Cabral”. Nós não seríamos capazes de sobreviver na floresta sem GPS e celular, ou sem a chance de pegar um avião ou um automóvel e escapar para outro lugar quando os mosquitos se tornassem insuportáveis. Aprender com, não significa tornar-se um. Portanto, aprender com os índios, trata-se acima de tudo de respeitar e considerar que eles têm algo a nos ensinar. É, portanto, inverter a lógica do “eles têm muito a aprender, coitados” para a lógica do “o que vocês têm para nos ensinar?”. A questão de sobrevivência da espécie humana e da preservação deste saber exclusivo dos índios da Amazônia sul-americana é razão suficiente para que a UNESCO e todas as nações do mundo empenhem-se em criar ferramentas que sejam capazes de preservar esta cultura, pois ela é o nosso elo com um modo de vida viável que desconhecemos e destruímos até hoje por preconceito e arrogância.

No meu ponto de vista, a convenção objeto deste debate, seria realmente mais eficaz se tivesse a coragem de dizer: Todo aquele que tenta catequizar através do uso do poder ou coação, outro povo para a sua forma de ver e crer, deveria ser condenado por um crime contra a humanidade. Já sabemos - como a história da América demonstra -, que tentar converter o índio para nosso modo de vida, é condená-lo à extinção e a um jogo desigual. Vale relembrar que se a “Utopia” escrita por Tomas Morus em 1516, foi fruto de um relato real da forma de vida dos índios brasileiros da época, esta obra pecou por descaracterizar a forma de vida destes índios quando o autor alterou o sistema de crenças deste povo para aquele que ele tinha, transformando um modo de vida real e, portanto possível, numa forma de vida quase impossível, transformando a palavra utopia em sinônimo de impossibilidade de se viver uma vida ideal. Este livro é só um dos muitos que mostraram o encantamento com aquela forma “exótica” de viver, mas a consideraram inferior. E, quantos de nós até hoje ainda adota este modelo mental de ver nossa forma de viver superior àquela destas tribos. E para mim, a razão pela qual considero a convenção um marco histórico, reside principalmente, no fato desta ser nossa última chance de não repetirmos os mesmos erros que cometemos no passado - O erro de “educar” os povos indígenas para o nosso modo “neurótico” de vida. Neurótico, pois, ao nos desassociarmos do que somos: Seres naturais. Tornamos-nos desintegrados da natureza e, portanto, desintegrados de nossa própria essência. Com que outros povos poderemos aprender a conviver com a natureza durante 12 ou 20 mil anos sem consumi-la até a extinção? Já que não sabemos como viver de forma leve e naturalmente integrada com a natureza, temos, para a nossa própria preservação, a obrigação de preservar quem sabe.

Existem outras culturas “frágeis” e também importantes que precisam ser preservadas, e a perda de cada uma delas pode significar perder a chance de se preservar algum conhecimento importante para nosso futuro.

Por outro lado, para nós, que vivemos à margem da natureza, integrados à sociedade de consumo e que, por isto, dependemos de trocas de bens e serviços realizadas com outros seres humanos para sobreviver, não há outra forma viável de sobrevivência, senão aquela que considera o produto de nossa criação uma mercadoria. E neste ambiente, torna-se imperioso criar leis, princípios e convenções para regularizar a troca entre os povos. A cultura, neste contexto, não pode deixar de ser um produto capaz de ter valor comercializável, pois, se o pajé cria a música que será cantada pela tribo sem esperar nada em troca, nós, com raríssimas exceções, dependemos da recompensa financeira resultante de nossa obra para sobrevivermos e podermos continuar a criar. Assim, a economia da cultura é um conceito que ganha relevância, na medida em que pode servir como propulsor da viabilização da economia da criação e da indústria da cultura, fazendo com que possamos tornar mais eficaz nossa lógica produtiva de geração de renda e emprego, sem a qual não teremos como criar um mundo “melhor e mais justo”. É preciso fazer com que governo e sociedade se recordem como a cultura é um “negócio” com grande potencial de geração desta renda e de riquezas. E para isto, o exemplo do reino unido é suficiente, pois lá, como apresentado na entrevista de Raul Juste Lores da Folha de S. Paulo - o ex-ministro da cultura de Blair conseguiu comprovar que cultura rende muito valor monetário para a economia. No Reino Unido, de acordo com a entrevista, a cultura movimenta 7% do PIB e em Londres, a chamada indústria criativa (de moda a galerias de arte, de entretenimento a arquitetura e design) já é a segunda mais importante, após o mercado financeiro. Apesar de haver outros bons exemplos, nada mais é preciso dizer, pois se lá ela é a segunda, aqui ela pode ser a primeira, a sexta ou décima indústria. O relevante, neste momento, é termos a consciência de que é preciso mensurar o que representa a economia da cultura em nossa sociedade, seja um país, um estado, um município ou uma comunidade, e qual o seu potencial econômico, certos de que ela nos fará progredir economicamente e poderá ser um instrumento eficaz para inserção positiva de vários excluídos ao sistema. Fenômeno que, à revelia dos sistemas formais, já se opera nas comunidades marginalizadas das grandes cidades com o surgimento de guetos criativos que, utilizando estratégias comerciais não formais, como venda de cd´s em camelôs, têm se viabilizado economicamente. Assumir que os bens e serviços culturais são mercadorias é fazer valer mais uma atividade que precisa ser tornada tangível para permitir que os agentes criadores, distribuidores e divulgadores da indústria criativa tenham condições e motivações para continuarem se dedicando a criar e a produzir com mais intensidade. Precisamos ser, enquanto agentes, capazes de sermos pragmáticos e empreendedores a fim de transformar a indústria criativa em algo que seja percebido como benéfico para o indivíduo e para a sociedade, e isto, por si só, já será suficiente para promover o desenvolvimento desta economia e para a proliferação criativa.

Peguemos como exemplo a indústria fonográfica no Brasil: Quando tornar-se cantor e compositor tornou-se financeiramente recompensador, proliferaram músicos, cantores e compositores profissionais e desenvolveram-se uma gama de produtos em torno da música, como os carnavais fora de época pelo país e até mesmo a sua internacionalização com sua exportação para Barcelona e Miami. Expansão que é devida a atuação de profissionais empenhados em empreender esta atividade cultural e fazê-la tornar-se lucrativa. Não se trata aqui de julgar que tipo de cultura é melhor e deve ser incentivada, pois isto, a diversidade cultural, é um dos objetivos primordiais do nosso debate e, sendo assim, toda forma de expressão artística e cultural deve ser respeitada, valorizada e transformada em bom negócio. Fazer a festa e música é da natureza do seres nascidos nestas Terras tropicais, que desde 1541 vem sendo chamada de Brasil. E graças a esta característica nata, tradições como o Boi Bumba ou a dança da chuva, entre outras, vêm sendo preservadas e promovidas. O fato é que a busca por renda e geração de lucro intensificou a produção musical, e, normalmente, a quantidade trás também, em seu esteio, qualidade, mesmo que esta fique ofuscada pela quantidade de produções apenas comerciais que, por isto mesmo, tendem a ter vida curta. O que é “bom” dura.

A história conhecida da humanidade demonstra que os estados diretivos que assumiram a promoção da sua cultura se misturam com a história de grandes líderes de povos, cujos nomes chegaram até nossos dias. Foram eles que conseguiram fazer suas nações serem fortes, graças principalmente, ao fortalecimento de suas próprias culturas. Seja no Egito, na América, na África, na Ásia ou na Europa, personagens como Moisés, Davi, Salomão, Ciro da Pérsia, Alexandre da Macedônia e César Augustus têm em comum o fato de que sabiam dar valor e empreender projetos culturais apoiados ou empreendidos diretamente por eles. Projetos que tinham o propósito de fazer seus povos e suas culturas sobreviverem, superarem às outras e se perpetuarem.

Estabeleceram para tal, um conjunto de regras e valores e um sistema de incentivo à criação de obras cujo valor deveria perpetuar-se.

Poderia citar exemplos mais recentes da história, que nos trariam maior ou menor preconceito do que estes citados, e seria até absurdo deixar de citar o exemplo do rei Francisco I da França, “o criador” da lei dos direitos autorais e que foi capaz de trazer para a França grandes criadores de sua época, como o iltaliano Leonardo da Vinci, que junto com outros grandes gênios da renascença fizeram a França, atrasada na época em relação à Espanha, Alemanha, Holanda, Portugal, Florença, Veneza e Gênova, nascer como nação expoente em termos culturais. Este caso demonstra como a lei entrópica da física que explica como um sistema aberto que recebe de fora energia positiva tende a tornar-se mais evoluído. E, desde então, a França, que era fechada e atrasada, tornou-se o berço de grandes inovações e criações intelectuais e culturais. Mas, nenhum exemplo é mais evidente do que o de César Otaviano Augustus, que teve como braço direito, um eficaz articulador político que com sua estratégia de apoiar e patrocinar artistas e escritores como Virgílio, Propertius e Horácio, ajudou não só a ascensão de Otaviano, a superação do caos da guerra civil e a consolidação do império romano, como contribuiu para deixar um legado de valores e princípios legais que norteiam, até hoje, o modo de vida do mundo ocidental. Tão forte esta atuação que Caio Mecenas empresta seu nome à pratica de se apoiar iniciativas artísticas e culturais – o mecenato.

Tenham sido autoritários ou democráticos, estes personagens são da história que remonta a mais de dois mil. Nos dias de hoje, não acredito que haja um só líder mundial e empresarial que desconsidere a importância de ter uma cultura forte e influente e que isto é tão benéfico para seu país e sua empresa quanto ter bons produtos e um eficaz sistema de comercialização destes.

Ocorre que séculos atrás, a conquista territorial era condição necessária para que uma cultura se expandisse, e hoje, com uma ou duas exceções, nenhum líder consciente tenta expandir sua cultura e seu campo de influência usando o caro e antipático, pois desumano, recurso da guerra para transformar a cultura alheia. Hoje existem os meios de comunicação e a mídia, o cinema, os livros, a publicidade e a expansão de mercado de produtos que levam com eles os hábitos de consumo e os “modos vivendis” de determinado povo até outro.

Como na história da cultura também prevalece a “lei de Darwin” que o mais forte e adaptado, e não necessariamente o melhor, sempre vence. Criar um conjunto de valores e regras que protegem as culturas menos “fortes” é fundamental. O mundo sofre desde os seus primórdios o efeito de uma pressão dos mais fortes tentando, naturalmente, ou artificialmente, impor sua cultura aos mais fracos, o que ganhou dimensões maiores com o crescimento do comércio internacional, da comunicação e dos transportes, gerando conflitos de valores tantos financeiros quanto culturais. Daí a importância desta convenção, objeto de nosso debate.

Em oposição à idéia de um estado forte e diretivo estaria a concepção de um mundo liberal ou anárquico. E, neste contexto, um artista está sempre em contradição, tentando expressar-se de forma independente e autônoma ao mesmo tempo em que busca um mecenato que o livre da necessidade de ter que agradar ao mercado. Um mercado que nem sempre é capaz de, no seu entender, “avaliar”, no momento presente, a vanguarda e a sua “visão privilegiada” do mundo e da forma de se expressar.

Encontrar o ponto de equilíbrio entre diretividade do estado e liberalidade, e entre autonomia e conquista de mercado ou mecenato, é o desafio de indivíduos, da indústria da cultura e do estado. Isto só será possível com atuação consciente e pragmática que busque a evolução dos modelos atuais praticados no país.

Minha conclusão, portanto, é que a Economia da cultura, a indústria da cultura e a definição de bens e serviços culturais, como colocadas na convenção são coerentes e oportunas, pois se trata de valorizar, no sentido de definir valor tangível, o fruto da atividade de criação, produção e distribuição de produtos artísticos e culturais. A viabilização do lucro fará certamente com estas “criações” se proliferem e, consequentemente, estas manifestações culturais se perpetuem, mesmo que transformadas. Está explicito também na convenção que existem atividades culturais que não são atividades econômicas e isto é bem apropriado.

A convenção elaborada é a convenção possível, fruto de exaustivos debates entre os representantes das nações que a elaboraram. E não há como discordar que esta convenção trás benefícios para os que possuem uma cultura mais vulnerável. Há uma tendência de ser melhor com ela do que sem ela.

Considero que é mais importante agora, como povo e nação, partirmos para a ação, definindo um conjunto de estratégias e planos de ação para que possamos jogar o jogo de acordo com estas novas regras estabelecidas. Um jogo que já está no segundo tempo e cujo placar é muito desfavorável para os países em desenvolvimento, que já foram tantas vezes “colonizados” e que ainda hoje não têm um time organizado, nem tampouco uma estratégia de jogo.

Urge que, sem esquecermos que existem questões conceituais e ideológicas importantes neste debate, passemos para a ação. Uma ação que faça com que nossa sociedade desenvolva sua “economia cultural”, a fim de não ver seus valores e tradições serem extintos em conseqüência da entrada de outros valores e tradições mais “fortes”. Não se trata de impedir a entrada do que vem de fora. Isto não combina com nossa história e todo sistema fechado, ensina a lei da física, tende a se extinguir. Trata-se sim, de fortalecer nossa capacidade de criar, produzir e comercializar nossas atividades, bens e serviços culturais e criativos com força e poder suficiente a fazer frente, de forma positiva e interativa, ao que vem de fora. E, para que a cultura se torne uma indústria promissora em nossa cidade, estado, país ou continente, é preciso que sejamos capazes de:

1. Ter um estado organizado, comprometido e empenhado com recursos humanos e financeiros para “estimular um ambiente favorável ao desenvolvimento de empresas e criadores, para que o mercado possa ampliar-se e realizar seu potencial, não apenas de auto-sustentabilidade, mas de ganhos sociais (emprego, renda, inclusão ao consumo de bens culturais)”. (1)
2. Articular a iniciativa público-privada (empresarial e individual) organizando cluster´s e OCIP´s e fortalecendo os já existentes em todos os níveis de atuação: latino-americano, federal, estadual e municipal.
3. Evoluir a forma de incentivo dada pela lei Rouanet, que hoje faz com que empresas privadas se utilizem de recursos públicos para direcionar estes recursos para a sua autopromoção e para decidir o que é boa obra artística e cultural. Minha sugestão é que se crie um conselho nacional onde haja a participação de representantes do governo, da iniciativa privada e da sociedade organizada. Ou então, que a lei seja alterada para haver um mínimo de investimento privado real das empresas patrocinadoras para que o investimento púbico seja potencializado.
4. Tornar mais célere o estudo de dimensionamento atual da economia cultural do país, do estado e dos municípios para que estes estudos possam dar a real dimensão e noção de realidade desta indústria em nosso contexto, e ao mesmo tempo, dar início aos debates sobre o que realmente deve ser considerado como componentes da economia cultural.
5. Incentivar a proliferação de pesquisas acadêmicas com bolsas para mestrado e doutorado em economia da cultura e economia criativa.
6. Ter no Ministério da Cultura, se é que não existe, um secretário especial para tratar dos intercâmbios culturais como o promovido pelo governo britânico e articular a criação de outros intercâmbios com outros países.
7. Elaborar um plano estratégico coordenado pelo Ministério da Cultura com vistas a desenvolver um plano de ação para o desenvolvimento da Indústria da Cultura no País. (Talvez exista e eu não conheça. Se for este o caso, então é preciso divulgá-lo).
8. Por último e não menos importante, articular junto com a Funai, um projeto de preservação dos povos indígenas da América, principalmente os não contatados.

A conclusão é que é preciso arregaçar as mangas e trabalhar muito desde ontem, e temos muito a preservar e a promover. É hora de fazer acontecer, já que as regras do jogo estão estabelecidas.


(1) Mensagem do Ministro Gilberto Gil disponível no site do www.minc.gov.br

terça-feira, 12 de junho de 2007

O Centro Histórico de Salvador: economia cultural entre o local e o global

por Wagner Vinhas *

Estamos acostumados a citar a cultura como uma riqueza de um povo, uma teia de significados que orienta os valores e as crenças na (re)definição das identidades culturais e que são refletidas através do sentimento de pertencimento a uma comunidade. A cultura, neste sentido, se apresenta também como uma força política capaz de organizar um grupo social em torno de interesses mais ou menos comuns. A cultura, dessa forma, pode ser vista como um sistema interconectado e interdependente, o que George Yúdice denominou de ecologia cultural, com recursos renováveis e não renováveis.

Nesta perspectiva ecológica, com contribuições importantes nas últimas décadas para a nossa forma de perceber os sistemas naturais e sociais, existe um debate que busca rever o conceito de riqueza. Segundo Elaine Bernard, diretora da Trade Union Program de Havard, a natureza é vista como riqueza apenas quando apropriada para fins econômicos privados. No entanto, nesta perspectiva de repensar o conceito, os recursos naturais por si mesmos são riquezas de toda a vida sobre o planeta. A água que corre nos rios, a diversidade biológica nas matas e florestas, entre tantos outros, não possuem valor apenas quando transformados em mercadoria pelo capitalismo. A riqueza contida na natureza não está restrita à lógica de um sistema de produção, porque o seu valor está ligado à produção de toda a vida sobre o planeta. Neste sentido, a cultura enquanto uma ecologia cultural e com inter-relações na produção da vida dos grupos sociais e étnicos, precisa ser pensada a partir desta mesma noção de riqueza, através da sua importância para a vida em sociedade e não apenas como uma mercadoria a ser comercializada.

Na produção de bens culturais, encontramos artistas, produtores, empresas etc., compondo a cadeia produtiva de uma cidade, estado, região ou nação. No entanto, existem problemas na retro-alimentação desse sistema que funciona como uma cadeia produtiva, principalmente, quanto se trata do retorno de conhecimentos, recursos financeiros ou bens acabados aos chamados artistas populares. A população que está nas feiras ou nas ruas, produzindo o que denominamos por cultura espontânea ou popular, também participa de modo periférico na produção dos bens sociais, mesmo que seja um importante elemento na (re)produção da cultura nacional.

Nas últimas décadas, particularmente, a partir da década de 1950, ocorre um forte movimento em torno da estruturação de bens simbólicos e culturais. Inserido nesta dinâmica da produção da economia global, temos a cidade de Salvador, representada principalmente pelo seu Centro Histórico. A configuração atual do Centro Histórico de Salvador (CHS) pode ser pensada em termos de preservação arquitetônica e encenação das práticas culturais, como também, através da dinâmica cultural oculta nos recantos periféricos do CHS. O efêmero ocupa os espaços reinventados pelas políticas culturais e que continuamente modificam “o local da cultura baiana” para atender a agenda de festividades. As manifestações que participam da reinvenção constante do CHS não conseguem abarcar a diversidade existente na cidade de Salvador. A negritude, “vivamente” presente no CHS através das encenações e espetacularizações, ocupa nos demais bairros da cidade os locais periféricos e com expressiva concentração da população negra. Essa visível reclusão do negro baiano na periferia de Salvador se reflete na dinâmica destes bairros e distantes dos circuitos culturais.

Os últimos dados revelam que o soteropolitano freqüenta pouco o CHS para estar com amigos ou familiares. Os dados não representam fatores isolados e sim a pouca atenção dada por parte do poder público no que se refere à relação dos habitantes com o espaço social, negligenciado inclusive o seu potencial educativo. Os inúmeros aparelhos do CHS mantêm pouca ou nenhuma relação com a população que ali reside ou freqüenta. As instituições como Museu Casa do Benin, Fundação Jorge Amado, Fundação Gregório de Mattos, entre tantos outros espaços, poderiam ampliar suas atividades às camadas populares, promovendo debates, abrindo seus acervos, revivendo a cultura baiana através da diversidade de meios e que apenas estão disponíveis para usufruto das camadas privilegiadas da cidade. O que nas últimas décadas permitiu ao CHS uma maior visibilidade no cenário nacional e internacional foi o legado construído pelas práticas culturais que surgiram através dos praticantes de capoeira, afóxes, repentistas, blocos carnavalescos, literatura de cordel, entre tantos outros. Contudo, o modelo adotado acabou sufocando essa diversidade, favorecendo apenas uma pequena representação dessa totalidade. Os mestres de capoeira, por exemplo, conseguem manter a prática no CHS com pouco ou nenhum apoio das políticas culturais, mesmo sendo a capoeira hoje responsável por uma maior difusão da Bahia em âmbito nacional e internacional. Mesmo sem políticas que favoreçam a prática, a capoeira sobrevive em condições adversas não apenas no CHS, demonstrando sua importância para a dinâmica local e independente da sua inclusão como bem de consumo. Neste sentido, as práticas culturais são uma riqueza para uma parcela da população e que se reconhece dentro de uma diversidade de práticas existentes. A prática da capoeira fala muito sobre o modo de ensinar e de aprender (educação), dos valores e das crenças e da forma de estabelecer relações sociais entre seus praticantes.

Pensar a Economia Cultural, numa cidade com as potencialidades de Salvador, não basta que seja em termos de mercantilização da cultura. É necessário estabelecer estratégias para manter viva a produção dos bens simbólicos e culturais. Neste sentido, a presença das camadas populares parece ser fundamental. É preciso pensar políticas que possam efetivamente democratizar, preservar e alimentar as dinâmicas culturais da cidade, devolvendo conhecimentos, trocando experiências, redistribuindo a renda, para que o sistema não morra de asfixia em algum ponto estrangulado. Nos últimos anos, a visitação e a permanência do turista na cidade caiu rapidamente, o que parece ser um reflexo do modelo adotado para pensar o espaço social e as manifestações culturais, inclusive nos demais espaços sociais da cidade. A elitização, aliada a mercantilização do CHS, demonstra que a ausência da espontaneidade popular é danosa a (re)produção das manifestações culturais, sugerindo que a relação da comunidade com o espaço é um fator de (re)criação do próprio espaço.

O professor Bruno César Cavalcante, da Universidade Federal de Alagoas, em palestra proferida no III ENECULT, ocorrido neste ano em Salvador, afirma que um dos grandes desafios para as políticas de diversidade cultural é a democratização do conhecimento ou retorno às camadas populares de um conhecimento que temos nos apropriado de formas diversas. Conforme Cavalcanti, diferente dos artesões europeus, por exemplo, no Brasil a produção artesanal ocorre sem que os conhecimentos necessários a produção, distribuição e acesso ao mercado sejam de fácil acesso. A ausência da participação do artesão na produção de conhecimentos não permite que ele elabore de modo adequado um conjunto de saberes para lidar com o mercado.

É um desafio para a Economia Cultural, pensada como um sistema vivo de inter-relações entre pessoas, estilos, infra-estrutura, bens etc., ampliar o acesso a todos os indivíduos que participam da produção cultural no seu sentido mais amplo. A Declaração da Diversidade Cultural da Unesco ao afirmar que a diversidade cultural como fator de desenvolvimento, não envolve apenas o aspecto econômico, mas existencial, intelectual, afetivo, moral e espiritual, nos permite avançar no sentido de propor estratégias através de uma perspectiva sistêmica, ou seja, através de dimensões interconectadas e interdependentes onde a busca do equilíbrio não está em um único aspecto, mas nas conexões que ligam os seus diversos.

(*) Wagner Vinhas é cientista social com pesquisa em andamento no Centro Histórico de Salvador.

segunda-feira, 11 de junho de 2007

Novos modelos de negócios emergem impulsionado pelas novas tecnologias

Agência Carta Maior - Carlos Minuano*

Às margens da grande indústria fonográfica, que encolhe vertiginosamente, o cenário musical paraense exibe uma força produtiva que chama a atenção: artistas trabalhando sem cessar e uma quantidade enorme de CDs vendidos nas ruas, a preços acessíveis para a população. É a reinvenção do produto cultural nas periferias, um prodígio que ganha contornos cada vez mais robustos. Em Belém do Pará, o tecnobrega, ignorado pelo eixo mainstream Rio-São Paulo, movimenta milhões de reais e emprega milhares de pessoas.

Enquanto a Sony–BMG, com apenas 52 artistas contratados, lançou em 2006, ínfimos 18 CDs, no mesmo período, apenas o tecnobrega colocou em circulação cerca de 400 discos, além de movimentar, mensalmente, mais de R$ 6 milhões. Entre as bandas, a maioria nunca teve contrato com uma gravadora. Ainda assim, avaliam como positiva a venda de seus CDs por vendedores de rua. Claro, afinal, cumprem o papel vital de divulgar suas músicas. Do funk carioca ao cinema independente nigeriano, modelos semelhantes espalham-se pelo mundo, colocando em xeque velhos padrões.

Essas iniciativas ganharam o nome “mercado aberto”, ou “open business”. Uma fórmula criativa que equaciona informalidade com formalidade, cujas características são a sustentabilidade econômica, flexibilização dos direitos de propriedade intelectual, horizontalização da cadeia produtiva e ampliação do acesso à cultura, tudo isso impulsionado pela contribuição fundamental das novas tecnologias. Para compreender como se organiza esse novo formato, a Fundação Getulio Vargas - FGV, em parceria com a Fipe e o site Overmundo, encabeçado pelo antropólogo Hermano Vianna, foi até o lugar onde emerge esse fenômeno, as periferias.

O levantamento mapeou mais de 20 casos de “Open Business” no Brasil, nas áreas de moda, literatura, mídia, cinema, software, outros 20 na América Latina [Argentina, México e Colômbia], e ainda a indústria cinematográfica nigeriana. “O projeto buscou, ao longo de um ano buscar dados sobre esse universo, até então, desconhecido e identificar inovações que eles podem trazer”, conta Oona de Castro, da FGV, uma das coordenadoras do estudo. “Na Argentina, por exemplo, a tecnologia acabou com a necessidade de intermediação, gerando autonomia para os artistas”, acrescenta.

Na África Ocidental, a Nigéria, é outra amostra da robustez dos negócios abertos. O país, onde até pouco tempo não havia sequer salas de exibição, ostenta hoje a terceira maior indústria de cinema do planeta. “Apesar das restrições de acesso aos avanços tecnológicos, a pesquisa mostra que, nesses países em desenvolvimento, as populações vêm se apropriando, cada vez mais, dessas ferramentas”, observa a coordenadora da FGV. Ignoradas pela grande indústria cultural, dão de ombros para os padrões tradicionais de negócios, com isso tornam-se territórios férteis para novas formas de criação, produção e distribuição.

“Seja marginal, seja herói”
A cultura digital e os direitos autorais abertos tornaram-se a mola propulsora de uma revolução que a periferia parece não ter problemas em compreender. “Tipos diferenciados de licença, como o Creative Commons [que permite a um artista liberar parte de seus direitos autorais], são novas formas de negócios, essas comunidades já entenderam isso”, ressalta Cláudio Prado, coordenador de políticas digitais do MinC. Para ele, a questão da legalidade, ou da ilegalidade, é transitória. “É preciso transgressão para haver avanço, no mundo digital as coisas acontecem antes que o sistema capitalista as enxergue”.

O processo de gestação desses novos formatos, para umas das principais vozes da periferia paulistana, o escritor Ferréz, está relacionado com as inúmeras dificuldades enfrentadas pelas comunidades das periferias. “Conheço gente que trabalha muito, mas não consegue apoio, então faz com os próprios recursos”. Para ele, a opção que resta a essa usina cultural marginalizada é criar seus próprios padrões. Como diria o artista plástico Hélio Oiticica: “seja marginal, seja herói”.

(*)Carlos Minuano é repórter do 100canais - núcleo de jornalismo cultural idependente, parceiro de Carta Maior

sexta-feira, 8 de junho de 2007

Cultura X Pobreza

A criatividade é capaz de movimentar a economia, reduzir desigualdades e fortalecer a auto-estima das pessoas

Eliana Giannella Simonetti*


Uma forma de retratar o planeta, hoje, é a seguinte: em cerca de 200 países vivem cinco mil grupos étnicos – a maior parte deles minoritários. Há outra: Hong Kong, ilha de 6,5 milhões de habitantes, produz anualmente 171 bilhões de dólares. Na Tanzânia, onde vivem 32 milhões de pessoas, a produção é infinitamente menor: 6,9 bilhões. A Suécia tem mais ou menos a mesma área arável de Cuba, recursos naturais semelhantes, clima mais ingrato e menos gente. Mas o PIB sueco é onze vezes maior do que o cubano. A diferença em termos de renda per capita entre uma das mais ricas nações industriais do mundo, a Suíça, e um dos mais pobres países não industriais, Moçambique, é de cerca de 500 dólares para 1.

Não há receita alguma capaz de resolver tamanha desigualdade com facilidade e em prazo curto. Cinqüenta estudiosos de todas as especialidades (entre eles o historiador David Landes e os economistas Jeffrey Sachs e Francis Fukuyama) reuniram-se num debate em busca das razões desse problema na universidade americana Harvard. Concluíram que, além dos motivos conhecidos, como escassez de riquezas naturais, governos com administrações desequilibradas e falta de oportunidades de negócios, os países pobres sofrem por uma razão menos palpável: eles têm uma espécie de cultura da pobreza. "Mais do que qualquer dos fatores que influenciam o desenvolvimento dos países, a cultura é a principal explicação do por quê alguns se desenvolvem mais rápida e homogeneamente que outros", diz o economista Lawrence Harrison, professor em Harvard e autor do livro Subdesenvolvimento É um Estado de Espírito. A questão é como fazer para romper o dique entre nações ricas e pobres, porque de uma forma qualquer ele precisa ser rompido. "A paz e a prosperidade do planeta dependem do bem-estar de todos", diz David Landes, professor de história e economia política em Harvard e autor do livro A Riqueza e a Pobreza das Nações.

O Brasil investe 22% do PIB em programas sociais. É muito dinheiro, mas não resolve os problemas. Primeiro, porque grande parte dos recursos se perde no meio do caminho e não chega aos necessitados. Segundo, porque o assistencialismo não produz gente com mais iniciativa, mais criatividade, maior habilitação para o trabalho. O investimento em capital humano pode ser muito mais barato e gerar melhores resultados. E aí entra a economia da cultura. Roupas, enfeites, objetos de decoração, idiomas, ritmos e sons formam uma colcha de retalhos de valor intangível que vem adquirindo importância crescente com o aumento do comércio e das relações entre os povos. A questão, que só recentemente começou a chamar a atenção dos brasileiros, está em pauta nos países desenvolvidos há décadas. Como chega atrasado para a festa, o Brasil tem de se apressar, ou continuará sendo um grande exportador de produtos agrícolas e um dos países que apresentam os piores indicadores de desenvolvimento humano do planeta.

Criatividade, alegria, talento, e disposição para empreender são qualidades que não faltam ao brasileiro. Com esse caldo seria possível fazer um molho substancioso. Não se faz. Informações da Organização Mundial do Comércio (OMC) dão conta de que o faturamento das indústrias criativas no mercado internacional duplicou nos primeiros três anos do século XXI. Segundo os cálculos dos especialistas da Organização das Nações Unidas (ONU), a economia criativa, que envolve setores tão díspares como teatro, artesanato, televisão, cinema, publicidade e desenvolvimento de programas de computador, é responsável por 7% das riquezas produzidas no mundo. Como cresce rapidamente, logo chegará aos 10%. Essa é uma média estatística, e esconde disparidades.

De acordo com a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco), apenas três países, o Reino Unido, os Estados Unidos e a China, produzem 40% dos bens culturais negociados no planeta – entre eles livros, CDs, filmes, videogames e esculturas. As vendas da América Latina e da África, somadas, não chegam a 4%. Cinco sextos da população mundial – uma multidão de um bilhão de pessoas – vivem em países em desenvolvimento ou absolutamente pobres, e não conseguem aproveitar as oportunidades que se apresentam. No Brasil, o PIB Cultural contribui com cerca de 1% da riqueza nacional. Pelos cálculos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a América Latina deixa de ganhar 500 milhões de dólares por ano em direitos autorais. Ou seja, os países emergentes ainda não conseguiram potencializar a cultura para gerar renda e empregos.

Um professor argentino, diretor do programa de estudos sobre cultura urbana na Universidade Autônoma Metropolitana do México, Néstor Canclini, coleciona informações interessantes sobre o poder da indústria criativa dos países ricos, e a absoluta ignorância das pessoas acerca da riqueza cultural alheia. Algumas delas são as seguintes. A indústria audiovisual é a maior exportadora dos Estados Unidos. Fatura 60 bilhões de dólares por ano. Todos os brasileiros, trabalhando o ano inteiro nos mais variados setores da economia, conseguem produzir apenas dez vezes mais do que essa pontinha da indústria americana. Desde a década de 1990, seis empresas transnacionais tomaram conta de 96% do mercado mundial de música. Compraram pequenas gravadoras e editoras em países latino-americanos, africanos e asiáticos. No que se refere ao cinema a situação é ainda mais chocante. Mais de 90% das telas norte-americanas só exibem filmes feitos no próprio país. O americano comum, portanto, não conhece o que se faz no estrangeiro. E o que se produz, na verdade, é pouco – 85% dos filmes exibidos em todo o planeta brotam de Hollywood. Mesmo países europeus como França e Itália, que no passado foram reconhecidos pela qualidade de suas fitas, andam lutando para se manter à tona.

Há alguns anos Inglaterra, Canadá, Austrália e França, entre outros, descobriram que, na era do conhecimento, quanto mais diversificada uma sociedade, mais rica ela pode ser. Na Inglaterra, a indústria cultural é mesmo uma indústria, montada para criar empregos e promover o crescimento econômico. Na França existe uma preocupação diferente. Fala-se em economia cultural e em sua importância para a redução das desigualdades sociais e para o fortalecimento da identidade nacional. Ali, o departamento de pesquisas do Ministério da Cultura foi criado em 1959. Observa de perto todos os setores da vida cultural do país para instruir decisões e apontar caminhos para a solução dos problemas detectados. Os conhecimentos acumulados em quase meio século estão organizados por áreas: a disponibilidade de financiamento, a economia da cultura; as estatísticas; e estudos sobre o comportamento dos produtores e dos consumidores de bens criativos. Os ingleses perceberam cedo que num ambiente globalizado, em que os produtos tendem a se tornar commodities, a diferenciação é fundamental. Isso mais de duas décadas após a Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad) ter estabelecido que os anos 1980 seriam dedicados ao desenvolvimento cultural.

A causa vem sendo abraçada por organismos internacionais. Em 2002 o pessoal da Unesco parece ter descoberto uma maneira de sensibilizar o mundo. A Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural afirma: "Frente às mudanças econômicas e tecnológicas atuais, que abrem vastas perspectivas para a criação e a inovação, deve-se prestar particular atenção à diversidade da oferta criativa, ao justo reconhecimento dos direitos dos autores e artistas, assim como ao caráter específico dos bens e serviços culturais". A declaração tratou também da liberdade de circulação de idéias, da identidade dos povos, mas o argumento econômico foi fundamental.

Na 11ª reunião da Unctad, realizada em São Paulo em 2004, abriu-se espaço para o debate sobre o papel das chamadas indústrias da criatividade no desenvolvimento. O resultado foi a proposta de criação de um Observatório Internacional para o setor, com o objetivo de apoiar os formuladores de políticas públicas e outros interessados, encorajando a capacitação, a valorização da diversidade cultural e a construção de redes de distribuição e comércio. Os movimentos, desde então, não pararam. Em abril de 2005 ocorreu em Salvador, na Bahia, um Fórum Internacional. Ali foi lançada a pedra fundamental do Centro Internacional das Indústrias Criativas, onde se concentrarão a pesquisa e os dados sobre o setor em todo o mundo. Outro centro foi criado na Ásia, onde ocorreu encontro semelhante. A cidade de Xangai ficou encarregada de promover uma exposição internacional em 2007. Com essa perspectiva, e sabendo que hospedarão os Jogos Olímpicos em 2010, os chineses criaram uma universidade para formar gente capaz de pensar em políticas de maneira ampla e integrada, envolvendo economia, finanças, educação, arte e questões sociais. Xangai pretende ser a capital cultural do mundo.

No relatório sobre desenvolvimento humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) de 2004, há uma citação de uma frase do arcebispo sul-africano Desmond Tutu: "O desenvolvimento humano diz respeito, antes de tudo, a dar condições às pessoas para decidirem o tipo de vida que querem ter – e provê-las das ferramentas e oportunidades para que façam suas escolhas". Aí está o desafio do momento.


* Eliana Giannella Simonetti é jornalista e historiadora. O texto é uma compilação resumida de reportagens publicadas na revista Desafios do Desenvolvimento, do Ipea e do Pnud (www.desafios.org.br).

Economia Criativa - dos bastidores ao protagonismo

Economia Criativa – dos bastidores ao protagonismo
Ana Carla Fonseca Reis
Cultura e Mercado, 28/05/2007

Saindo dos bastidores das discussões restritas à Europa, aos Estados Unidos e à Oceania, a economia criativa finalmente vem tomando lugar de atriz oficial nos debates e conferências brasileiros. A contribuir para esse momento, agentes públicos, privados e instituições discutem o papel da cultura e da criatividade como base de desenvolvimento. No final de maio, mais uma ação emblemática jogou luz sobre essa discussão: a convite da Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo, Lord Chris Smith, ex-Secretário de Cultura de Tony Blair, contou sua experiência na implantação e desenvolvimento do programa de economia criativa que catapultou os indicadores econômicos e sociais do Reino Unido.

Alguns comentários foram particularmente dignos de nota. Para começar, uma obviedade recorrentemente negligenciada: que um programa de economia criativa, seja ele definido como for, só pode de fato alçar vôo quando envolve a) as diversas pastas do governo em prol de um objetivo comum e b) estabelece um diálogo efetivo entre o governo e representantes dos setores privados que compõem a economia criativa daquele país. No caso do Reino Unido, são treze setores (ou “indústrias”), envolvendo todas as indústrias culturais e outros setores capazes de gerar direitos de propriedade intelectual, como software, propaganda, moda, design e arquitetura. Todos esses interlocutores integraram uma força-tarefa, capitaneada pelo Ex-Secretário da Cultura, tendo objetivos compartilhados e cuja prioridade era garantida pelos números de um mapeamento que mostrava a importância desse grupo de setores para a geração de emprego e renda no país. Quatro condições, portanto, fizeram-se necessárias para garantir os propalados 7% do PIB que a economia criativa traz ao Reino Unido: conscientização de seu potencial; números que reforçavam essa percepção; políticas integradas e clareza de conceitos.

Quando lhe perguntei quais desafios espreitam a economia criativa britânica para que esta se converta no pólo criativo mundial que se propõe a ser, Lord Smith enfatizou dois, começando pelos direitos de propriedade intelectual (referindo-se não apenas ao controle da pirataria, mas à necessidade de adaptação de indústrias, como a musical, ao paradigma digital). O outro receio? Complacência. Sim, porque o fato de terem uma economia criativa pujante, hoje, não lhes assegura a preponderância no futuro.

Que o diga a Comunidade Européia, esse bloco que completou apenas 50 anos em março – já por si um quebra-cabeças de 27 peças, cada uma defendendo e tratando cultura e criatividade de forma distinta. Estudo publicado pela Comissão Européia ao final do ano passado evidenciou enorme disparidade no foco cultural de cada país – o que não só é natural, como provavelmente saudável. Enquanto a Dinamarca fala de “economia da cultura e da experiência”, a Holanda refere-se à “economia criativa” e a Lituânia disserta sobre as “indústrias de direitos autorais”. Uma verdadeira miscelânia, cujo entendimento é fundamental, a julgar pelo texto do relatório: “O estabelecimento da Europa como um pólo criativo é essencial para a competitividade da União (Européia)... deveria colocar cultura e criação no cerne do projeto europeu para beneficiar a economia européia e seu crescimento.”

Nos Estados Unidos, causou furor o Índice de Criatividade proposto por Richard Florida, em 2003, que contempla três sub-índices: talento (incluindo o número de pesquisadores, de universitários e de profissionais atuantes em setores criativos), tecnologia (voltado à inovação e à pesquisa) e tolerância (como a disposição a rever valores tradicionais e atitudes frente às minorias). Elocubrando sobre a aplicação desse modelo no Brasil, sorrimos diante da tolerância, franzimos o cenho no quesito talento (temos mestres de ofícios maravilhosos, mas uma qualidade de ensino que degringola continuamente) e nos desesperamos frente à tecnologia.
E por que tanta ênfase na tecnologia, mesmo quando se fala de economia da cultura? Em primeiro lugar, porque várias tecnologias (como as que possibilitam a convergência digital e a convergência de mídias, transformando o celular em uma potencial ilha de edição) quebram a concentração dos canais tradicionais de distribuição de bens culturais. Se antes dependíamos das gravadoras para ouvir a música produzida no mundo, hoje carregamos e baixamos arquivos, diretamente do computador do compositor tailandês ou marroquino que as criou. Mais do que uma tecnologia, muda-se o paradigma, inclusive mental, de hierárquico para disperso, de passivo espectador para ativo garimpeiro. E volta-se à questão da exclusão digital levar à exclusão cultural.


Em segundo lugar, criatividade não é compartimentalizada, nós é que tendemos a etiquetá-la. Ser criativo é enxergar o mundo de outra forma, unir pontos aparentemente desconexos, criar soluções novas para problemas antigos e, muitas vezes, para problemas que nem sabemos existir, seja no dia-a-dia, no laboratório ou no atelier. Consta que inovação seja criatividade aplicada à prática. Nesses encontros, arte e ciência são irmãs gêmeas. A fotografia e os exames por imagem que o digam. Ou, ainda, aquela cadeira maravilhosa dos Irmãos Campana, protegida por direitos de desenho industrial. Ou, quem sabe, aquele anel de desenho estupendo, vendido nas grandes cadeias de joalherias, mas cuja lapidação é obrigatoriamente individual. E o que dizer dos ofícios? Não resisto a considerar um cirurgião plástico um artista plástico, assim como fico absorta diante das esculturas em forma de dente dos protéticos.

Criatividade e direito à criatividade, duas questões diferentes. Esbanjamos a primeira, apanhamos para fomentar a segunda. Ou, nas palavras do saudoso Celso Furtado, em seu delicioso livro Cultura e Desenvolvimento em Época de Crise, “Todos os povos lutam para ter acesso ao patrimônio cultural comum da humanidade, o qual se enriquece permanentemente. Resta saber quais serão os povos que continuarão a contribuir para esse enriquecimento e quais são aqueles que serão relegados ao papel passivo de simples consumidores de bens culturais adquiridos nos mercados. Ter ou não direito à criatividade, eis a questão.”

Administradora Pública pela FGV, Economista e Mestre em Administração pela USP, Doutoranda em Arquitetura e Urbanismo pela USP, Ana Carla é Fundadora da empresa “Garimpo de Soluções – economia, cultura e desenvolvimento”, Consultora em economia criativa para a ONU, Curadora da conferência britânica “Creative Clusters”, Diretora de Economia da Cultura do Instituto Pensarte, Coordenadora do curso "Gestão de Políticas e Produtos Culturais" da Faculdade São Luís. Co-autora de “Teorias de Gestão – de Taylor a nossos dias” e autora de “Marketing Cultural e Financiamento da Cultura” e “Economia da Cultura e Desenvolvimento Sustentável - o caleidoscópio da Cultura".

INDÚSTRIA CULTURAL

Estudo econômico da cultura é fundamental para elaboração de políticas públicas
Cultura e Mercado - Carlos Gustavo Yoda*

Quando Gilberto Gil assumiu o Ministério da Cultura, a elaboração e gestão de políticas públicas foram divididas em três eixos de atuação: simbólico, cidadão e econômico. Raros são os estudos acadêmicos que se propõem a dialogar sobre economia e cultura com a profundidade que esta complexa dimensão da cultura necessita. Um dos motivos da falta de pensamento acerca do tema, de acordo com pesquisadores que participaram do III Enecult (leia mais), é a ausência de dados estáticos para estudar a chamada indústria criativa.

Como já afirmou o ministro, o Estado tem um papel vital no fortalecimento da economia da cultura, seja no levantamento do potencial, seja no planejamento das ações, na articulação dos agentes econômicos e criativos, na mobilização da energia social disponível, no fomento direto, na regulação das relações entre agentes econômicos, na mediação dos interesses dos agentes econômicos e dos interesses da sociedade, assim como na fiscalização das atividades. “Não se trata de reabilitar o Estado produtor de cultura, ou o Estado dirigista. Ao contrário. Parte-se do princípio de que o Estado pode e deve estimular um ambiente favorável ao desenvolvimento de empresas e criadores, para que o mercado possa ampliar-se e realizar seu potencial, não apenas de auto-sustentabilidade, mas de ganhos sociais (emprego, renda, inclusão ao consumo de bens culturais)”, conclui o ministro, em palestra de 2005 (leia aqui).

As atividades culturais já constituem um dos setores mais dinâmicos da economia mundial. Segundo levantamento da PriceWaterhouse Coopers, a economia da cultura no planeta crescerá em média 6,3% ao ano no período 2004/2008, para um crescimento geral de 5,7%.

O impacto econômico da cultura pode ser ainda maior se visto sob uma interpretação antropológica mais ampla sobre o que é cultura. Para o economista Fábio Sá Earp, pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro, os economistas só conseguem ver uma forma de negociação: o comércio, enquanto, segundo o consenso acadêmico presente no encontro de Salvador, cultura é tudo o que fazemos do nosso tempo livre.

Dessa forma, podemos interpretar como economia criativa todo o consumo de conteúdo informativo, da venda de jornais a quanto uma emissora de tevê recebe de verbas publicitárias; da pechincha de um boneco de mestre Vitalino em uma feira livre, à escolha de um azulejo para uma cozinha; de uma sessão de um filme blockbuster no Cinemark, à aquisição de quatro devedês por dez reais em um camelô; da compra direta de um cocar indígena em uma aldeia à última roupa da moda na Daslu ou na Daspu.

Para Maria Salete Nery, doutoranda em Ciências Sociais da UFBA, há “um enlace, ou melhor, um engate entre economia e cultura que precisa ser reconhecido, debatido e aprofundado. Discutir moda, por exemplo, significa discutir os rumos do capitalismo”. A pesquisadora explica que desenvolveu um estudo que tomou como ponto de partida a produção do vestuário em Salvador. Porém, como os caminhos que a curiosidade guiou o olhar, a pesquisa abrangeu um universo muito mais amplo e alcançou uma discussão cultural central na relação humana: a busca da identidade.

“O Brasil não exporta apenas maiôs e biquínis ‘made in brazil’. Exportamos o jeito de se exibir do verão brasileiro. Mais do que uma peça de roupa, o que se comercializa nas indústrias criativas é o valor simbólico das coisas. E isso é difícil de medir”, pontua Maria Salete.

O economista venezuelano, Daniel Mato, entende que todas as indústrias são culturais: “Sempre é possível fazer uma análise, do que quer que seja, com um olhar cultural”. Matos considera que toda relação parte de princípios intangíveis. Segundo ele, devemos nos questionar por que é um processo cultural comer uma feijoada em Nova Iorque e em São Paulo não é. Assim, até mesmo os hábitos alimentares, da gastronomia de tradições, podem ser incluídos entre as estatísticas da cultura.


Indicadores Estatísticos

Antônio Carvalho Cabral, FGV Direito – Rio, diz que é difícil encontrar informações sobre as indústrias culturais: “Eles vivem dentro de um mundo paralelo, onde muita coisa acontece de forma informal, como o jabá nas rádios e tevês”.

Conforme relatório do BNDES, no Brasil, os dados são incipientes, mas ainda assim reveladores. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada - Ipea, o setor respondia, em 2004, por 5% dos empregos formais do país. O Mercosul Cultural informa que, em 2004, o impacto no PIB era de 5%. Pesquisa da Fundação João Pinheiro, por sua vez, indica que, de 1985 a 1994, as atividades culturais respondiam por 160 novos postos de trabalho por cada R$ 1 milhão investidos, superando o turismo, a construção civil e os demais setores.

Economista ligado à Secretaria de Políticas Culturais do MinC, Felipe de Oliveira Ribeiro afirma que o estudo econômico da cultura é fundamental para a formulação de políticas públicas. Felipe trabalha atualmente na finalização do Anuário Estatístico da Cultura Brasileira, que deve ser lançado em setembro, para municiar constantemente o aprofundamento de pesquisas para formulação e monitoramento das políticas culturais.

O representante do Ministério, que também apresentou trabalho no III Enecult, explica que o ideal seria abranger nos indicadores as três dimensões da cultura (simbólica, cidadã e econômica), porém, torna-se praticamente inviável medir a dimensão simbólica da cultura.

Felipe Ribeiro utiliza como exemplo da complexidade dos estudos a cadeia produtiva da música, que se dá através de um tripé produção, distribuição e consumo. “A economia da música é baseada em economias de grande escala, em um processo controlado, em sua maior parte, por grandes gravadoras”, destaca. Com todo o entendimento já comum das práticas tradicionais da indústria cultural e o estudo de novas práticas informais de produção (leia mais), o pesquisador do MinC acredita que os formuladores de políticas podem pensar novos modelos de negócios para a cultura, valorizando mais os produtores culturais do que os atravessadores hegemônicos da indústria cultural.

Carência dos Números

O diretor de cinema e televisão argentino, Octavio Getino, lembra que os primeiros estudos sobre economia e cultura datam de 1910, na Alemanha. Ele lembra que, em 99, participou de um estudo sobre as dimensões culturais e o processo de integração do Mercosul: “Os departamentos de economia dos países envolvidos não computavam a movimentação sobre cultura porque simplesmente não sabiam o que poderia ser inserido como cultural”.

No ano passado, o IBGE, pela primeira vez, iniciou estudos e já está desenvolvendo um censo cultural que deve levantar toda a discussão econômica e estatística da cultura brasileira. Na Bahia, também já está em início de trabalho o Observatório Internacional para Indústrias da Criatividade. Isaura Botelho, que participa da análise dos dados do IBGE afirma que o processo de estudos acadêmicos não é tão veloz como as políticas necessitam, mas, em breve, uma análise mais profunda sobre a cultura no Brasil de hoje deve dar sustentação para a urgência de novas políticas de regulação para o setor.

(*) Carlos Gustavo Yoda cobriu o III Enecult a convite da organização do evento.
http://www.culturaemercado.com.br/setor.php?setor=4&pid=2953

ECONOMIA DA CULTURA e MERCOSUL

Fui convidada para este Seminário, em Córdoba, e acho importante compartilhar a boa notícia que o Unidade Temática em Cultura das Mercocidades está trabalhando com o tema de Economia da Cultura, que considero fundamental para integração do Mercosul ( vi também que o vice coordenador desse grupo de trabalho é o Diretor do Departamento de Cultura de Santo André).

Economia da Cultura e Economia Criativa são estratégicas para as questões de Cooperação Internacional por seu potencial para gerar desenvolvimento sustentável. O que precisamos é trabalhar num perspectiva de século XXI: inovando nos modelos de gestão( sobretudo pela relação com a Economia Solidária ) e criando "modems" : profissionais, ferramentas e estruturas de caráter transdisciplinar que possam fazer a conexão entre setores diferentes.
Num processo como o de consolidação do Mercosul isso será muito necessário e nossos profissionais e estruturas segmentadas não vào ter como dar conta do recado...

Para quem quiser mais informações:
http://www.mercociudades.org/modules.php

O link abaixo é para a Carta do Rio, que resultou do último encontro do Foro Consultivo do Mercosul , em janiero deste ano.

http://www.mercociudades.org/descargas/documentos/Declaraciones/carta_de_rio.pdf

Cultura Colaborativa

Inédito no país, o ECCO é um encontro nacional cujo objetivo é a consolidação de políticas de inclusão social, cultural e digital em âmbito estadual e nacional. O termo "Cultura Colaborativa" é derivado da explosão de práticas de colaboração e construção coletiva do mundo atual. Durante o ECCO, serão apresentados programas nacionais e estaduais de inclusão social através de tecnologias digitais e do acesso à Internet.Serão discutidas possibilidades de integração desses programas e temas correlatos.

Mais informações sobre o encontro podem ser obtidas no endereço http://www.culturacolaborativa.net.

Finalmente, gostariamos de solicitar a divulgação do ECCO em suas respectivas instituições e áreas de atuação.

segunda-feira, 4 de junho de 2007

UNCTAD Creative Economy & Industries E-Newslette nº 5

Edna dos Santos, chefe de Economia Criativa e pioneira na implementação e articulação internacional do tema contribui com nossa discussão. Disponibilizamos aqui sua newsletter com informações a respeito da Convenção da Diversidade Cultural. Edna estará entre 18 a 20 na reunião da UNESCO em Paris, para participar da Primeira Sessão sobre a Convenção.

http://www.unescobkk.org/fileadmin/user_upload/culture/Cultural_Industries/News_and_Events/UNCTAD_E-Newsletter_Apr2007.pdf

Entrevista Ex Ministro Indústria Criativa, UK

Cultura rende muito dinheiro, afirma ex-ministro de Blair
Folha de S. Paulo - Raul Juste Lores

No Reino Unido, a cultura movimenta 7% do PIB. Em Londres, a chamada indústria criativa (de moda a galerias de arte, de entretenimento a arquitetura e design) já é a segunda mais importante, após o mercado financeiro.

O British Council trouxe na semana passada a São Paulo um dos maiores responsáveis em transformar política cultural em prioridade de governo e grandes investidores.

Ministro da Cultura de 1997 a 2001, no primeiro mandato de Tony Blair, Chris Smith fez um mapeamento inédito do mundo cultural no país, que mostrou sua força a fim de arrancar mais verbas do ministro da Economia, Gordon Brown, futuro premiê britânico.

Smith conseguiu que lucros da loteria do governo financiassem as artes e instituiu entrada franca nos museus. "Mais turistas e mais atividade cultural, com mais patrocinadores, revertem em mais impostos ao governo." Leia trechos da entrevista que ele deu à Folha.

FINANCIAMENTO
Acesso a empréstimos é fundamental. Os artistas não falam a língua dos bancos. Eles sabem de design, não de crédito. Vivem em um mundo mais caótico, não aprenderam a redigir um "business plan" [plano de negócios para abrir uma empresa]. São necessários mecanismos para criar pontes entre os dois lados.

RESPONSABILIDADE
Há empresas que preferem apostar apenas em nomes famosos, mas acho que, na hora de divulgar sua responsabilidade social, ela tem de mostrar onde o dinheiro foi investido. Se é uma empresa responsável, tem de se preocupar pelo tecido social do país, em ajudar quem tem dificuldades. Colocar dinheiro só no sucesso garantido não pega bem.

BOM INVESTIMENTO
Ao investir em um artista ou em uma produção, descubra o valor cultural da iniciativa, se é interessante, excitante. Ou se é educativa, se colabora com a revitalização urbana, o que faz pelo resto da sociedade. Em qualquer dos dois casos, original ou socialmente generoso, já será um bom investimento.

LEI ROUANET
Isenções fiscais podem ser uma boa idéia, mas deixam inteiramente ao mercado a decisão de quem ganha patrocínio. Até certo ponto, isso pode ser bom, mas também significa que trabalhos novos, audaciosos ou menos conhecidos terão dificuldade para conseguir apoio. O que buscamos é um sistema de financiamento misto. Apoio estatal direto, filtrado por um corpo profissional; apoio municipal e estadual; patrocínio privado direto ou a partir de incentivos. Renda comercial, a partir de ingressos, cafés e lojas. Ter um balanço dessas fontes dá fôlego e estabilidade ao financiamento.

BAIRROS CRIATIVOS
Governo deve ajudar a facilitar locais de trabalho a preços acessíveis. As indústrias criativas criam "clusters" [conjuntos de empresas de atividades similares], as agências publicitárias são vizinhas a ateliês de artistas, de moda, a estúdios fotográficos. Em várias cidades britânicas, artistas foram estimulados a se instalar em bairros centrais decadentes, em lugares espaçosos a preços baratos. O desafio é que, em dez anos, a área se regenera demais, os preços sobem e expulsam os artistas novamente. Como esse problema foi resolvido em algumas cidades? Algumas prefeituras compram velhos armazéns abandonados, antigos mercados, restauram e alugam para iniciantes. Quando a empresa cresce, eles têm de mudar, e o espaço fica vago para novos empreendedores. Ter espaço disponível para novos talentos é fundamental.

BALÉ E GOLFE
Antigamente, um empresário patrocinava uma companhia de balé porque sua mulher gostava, ou uma ópera, porque seu diretor era colega no golfe. Hoje, isso se tornou raro. As empresas querem marketing, associar seu nome com propostas vanguardistas, glamourosas ou de alta qualidade.

CULTURA É ÍMÃ
A vida cultural beneficia as cidades, elas têm os equipamentos e o clima que atraem as pessoas mais criativas. Quanto mais vibrante a vida cultural, mais ela atrai pessoas que querem morar e trabalhar lá, o que provoca um efeito positivo no mundo dos negócios. Os executivos querem vir a Londres a toda hora. E abrir escritórios lá. As famílias deles também querem morar em Londres.

TALENTOS
Precisamos pensar em como o sistema educacional pode descobrir talentos e preparar carreiras criativas. Como se escreve, desenha, canta ou dança nas escolas. As crianças precisam ser encorajadas a desenvolver seus talentos. As faculdades e institutos de design, moda e artes precisam recrutar esses talentos nas escolas.

SEM ESTABILIDADE
Notei que os dirigentes culturais no Brasil trocam a toda hora, de acordo com o clima político. Nessa área, você precisa de estabilidade, fazer coisas a médio prazo. Também faltam camadas de profissionais da cultura que dirijam departamentos sem critérios políticos.MUSEUS DE GRAÇALutei para que os museus britânicos não cobrassem entrada, e esse é um dos grandes feitos da minha gestão. Hoje, quando se pergunta a qualquer turista por que está visitando o Reino Unido, as respostas sempre giram em torno das indústrias criativas. O governo britânico ganha mais dinheiro com os impostos sobre as entradas de teatro do que investe no setor.

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi0306200718.htm

sexta-feira, 1 de junho de 2007

Perguntas para Oficina Virtual

  • Qual é o papel e a importância que a Economia da Cultura possui na Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade Cultural?
  • Qual a relação que a Economia da Cultura deve possuir com o conceito da ‘Indústria Cultural’?
  • Qual a sua opinião sobre os princípios nºs 04, 05, 06, 07 e 08 da Convenção?
  • As definições de Atividades, bens e serviços culturais contemplam a complexidade da Economia da Cultura?
  • Sobre o artigo 14, letra ‘b’,que a Cooperação para o desenvolvimento. Qual seria a condição política ideal que propiciasse um ponto de equilíbrio entre o acesso e a proteção das economias da cultura (ou proteção da diversidade cultural?)? (A pergunta adquire uma conotação especial nos países em desenvolvimento, conforme artigo 16).
  • Como a participação da sociedade civil pode auxiliar a proteção e promoção da economia da cultura nos países em desenvolvimento?

Oficina Virtual de Economia da Cultura

Olá!

Bem vindos ao nosso blog e grupo da Economia da Cultura e Diversidade. Eu sou Lala Deheinzelin, articuladora e moderadora da Oficina Virtual de Economia da Cultura.

Nosso objetivo é levantar questões e propostas para o “Seminário Internacional sobre Diversidade Cultural: práticas e perspectivas”, iniciativa do MinC que acontece entre 27 e 29 de junho.

Nosso processo:

1) Convidamos pessoas e instituições ligadas ao assunto a integrar nosso grupo de discussões economiadacultura.googlegroups.com e visitar nosso blog economiadacultura.blogspot.com para acessar o que temos de informação.
2) Nosso blog contém:
· O texto base para discussões
· Foto e CV curtinho de cada participante ( não esqueça de enviar o seu também!)
· Links
· Relação de livros e documentos ligados ao tema
· Um box onde temos a síntese das propostas e considerações que surgem da discussão, de forma prática e esquemática
· E, (claro...). a discussão propriamente dita.
3) O que você nos enviar por email ou pelo grupo de discussões será colocado no blog, o que é possível com o auxílio luxuoso da Taís Somaio (parceira de trabalho)
4) A Oficina Virtual acontece no dia 13 de junho, às 14:30 horas, em várias cidades simultaneamente .
5) O resultado final será encaminhado ao Seminário

Nosso curador é George Yúdice, da Universidade de Nova York, que escreveu um ensaio para embasar e provocar nosso grupo. Ao discutir quais tópicos abordar, achamos melhor dar uma visão ampla, voltada para a prática e que mostrasse tanto os cuidados que se deve ter ao lidar com Economia da Cultura quanto as oportunidades que ela oferece.

Até o momento nossos especialistas convidados são Ana Carla Fonseca Reis, autora de Economia da Cultura e Desenvolvimento Sustentável e Omar Lopes Olarte, do Convênio Andrés Bello, Colômbia.

Em breve publicaremos a relação dos facilitadores e cidades que vão participar da Oficina Virtual por Vídeo Conferência.

Primeiro roteiro de perguntas e outros temas do paper:

Qual é o papel e a importância que a Economia da Cultura possui na Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade Cultural?
Qual a relação que a Economia da Cultura deve possuir com o conceito da ‘Indústria Cultural’?
Qual a sua opinião sobre os princípios nºs 04, 05, 06, 07 e 08 da Convenção?
As definições de Atividades, bens e serviços culturais contemplam a complexidade da Economia da Cultura?
Sobre o artigo 14, letra ‘b’,que a Cooperação para o desenvolvimento. Qual seria a condição política ideal que propiciasse um ponto de equilíbrio entre o acesso e a proteção das economias da cultura? (A pergunta adquire uma conotação especial nos países em desenvolvimento, conforme artigo 16).
Como a participação da sociedade civil pode auxiliar a proteção e promoção da economia da cultura nos países em desenvolvimento?

Outros tópicos :
Ecologia Cultural , ecossistema cultural‘
Sustentabilidade Cultural
Economia da Cultura com foco em MPES
Informalidade, Economia da Cultura e Unidades Economicamente Ativas
Economia da Cultura e revitalização urbana
Oportunidades em Economia da Cultura: Turismo Cultural,Comércio Justo

Obrigada, bem vindo ao grupo e aguardamos sua contribuição.

Economia da Cultura no Marco da Proteção e Promoção da Diversidade Cultural

George Yúdice, New York University


O objetivo deste documento é orientar as medidas para o desenvolvimento da economia da cultura segundo os princípios da diversidade cultural, tal como se especificam na Convenção para a Proteção e Promoção da Diversidade de Expressões Culturais, que entrou em vigor o 18 de março de 2007 e que o Brasil ratificou.

A Convenção oferece um marco abrangente, com validade jurídica internacional, que encoraja e orienta às nações na legislação de políticas públicas para proteger e promover a diversidade de expressões culturais. Em si, não é um programa de políticas e medidas. Quer dizer, a Convenção não é uma receita. Os stakeholders[1] de cada país devem negociar com os poderes públicos as políticas e medidas mais efetivas para garantir a sustentabilidade não só da diversidade cultural mas também do que poderíamos chamar de ecologia social e cultural. Antes de falar em ecologia cultural, devemos definir ecologia. A ecologia é o estudo da produção, distribuição e abundância dos seres vivos, e como esses processos são afetados pela interação entre os organismos e seu meio ambiente. O objetivo da ecologia é a manutenção ou sustento de todos os recursos necessários para a sobrevivência.

O termo sustentável tem um longa história, mas a partir da década de 1970 foram operacionalizadas medidas para frear a degradação do meio ambiente que as iniciativas de desenvolvimento urbano, agrícola e infra-estrutural ocasionaram aos recursos – ar, água, nutrientes no solo, etc. – necessários para a vida. A constatação da deterioração demonstrou que existe uma imbricação recíproca entre meio ambiente e economia, e que no longo prazo uma economia saudável (que tenha os recursos para operar) precisa de um meio ambiente saudável ou sustentável. Como declara o Relatório Brundtland – O Nosso Futuro Comum (1987)[2] – essa imbricação não respeita fronteiras e se manifesta local, regional, nacional e globalmente como uma rede integrada de causas e efeitos, que requer para a sua sustentabilidade estratégias igualmente integradas. Em um mundo no qual os líderes consideram a economia como o setor mais importante, a deterioração ambiental entendida como ameaça não só às economias nacionais mas também a economia global, teve que ser abordada como questão fundamental nas políticas de desenvolvimento.

Algo semelhante ocorre agora com a cultura. Como explica Throsby, pode-se estabelecer uma analogia entre capital natural e capital cultural.[3] O capital natural provem do legado dos processos criativos da natureza, quer dizer, dos recursos renováveis (fauna e flora marítima e florestal) e não renováveis (depósitos minerais), os ecossistemas que os mantêm e a biodiversidade. Como já se disse, o objetivo da ecologia é a manutenção desses recursos. Semelhantemente, o capital cultural provem do legado dos processos criativos das ações humanas. A ecologia cultural tem o objetivo de garantir a manutenção dos recursos culturais, que podem ser renováveis (p.ex. gêneros musicais) ou não renováveis. Vale a pena sublinhar que a cultura, como a natureza, também pode ter perdas. No século 20 deixaram de existir 4.000 línguas, quase nenhuma das quais estava escrita ou gravada, o que permitiria sua recuperação. Igualmente, uma vez extinto o último mestre de ofício não há como recuperá-lo. Em alguns casos, tanto a natureza quanto a cultura sofrem do mesmo processo de perda: o desaparecimento de uma espécie de árvore devido à devastação da floresta, elimina tanto o material com o qual se fazem as máscaras rituais quanto o ambiente no qual se reproduz uma tribo indígena. Como argumenta Ana Carla Fonseca Reis, esses bens culturais “aparecem na economia de modo pouco representativo, porque as atuais contas nacionais não permitem analisar seu peso real, e as contas satélite ainda não foram feitas (salvo algumas exceções como Colômbia e Chile) nos nossos países,[4] nem as do meio ambiente, nem as da cultura.”[5] Segundo Throsby, a diversidade cultural tem um papel ainda mais significativo que a biodiversidade cultural porque a maioria dos bens culturais são únicos (p.ex. obras de arte).[6]

A necessidade de propor uma ecologia cultural ficou evidente a partir da década de 1980, por dois motivos: primeiro, devido à resistência de países como França e Canadá, nas negociações na rodada do Uruguai do GATT e nos acordos de livre comércio, à idéia de que a cultura consiste em bens e serviços como quaisquer outros que podem ser comercializados sem efeitos colaterais na qualidade da vida. Como no análogo meio ambiental, os recursos não são somente para a exploração econômica, também portam valores que se pervertem quando só impera a lógica comercial. Em segundo lugar, o reconhecimento mesmo pelas agências dedicadas ao desenvolvimento – Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento, etc. – de que a cultura serve para o desenvolvimento, requer cautela com seu uso instrumental. Já é um lugar comum dizer que cultura cria empregos e promove a coesão social. Por exemplo, para James D. Wolfensohn, presidente do Banco Mundial entre 1995 e 2005, a cultura se tornou crucial para o investimento. Na sua conferência de abertura do encontro Culture Counts: Financing Resources, and the Economics of Culture in Sustainable Development (outubro de 1999),[7] ele salienta a “perspectiva holística do desenvolvimento” que deve promover o empoderamento dos pobres de maneira que possam ter os recursos sociais e humanos que lhes permitam agüentar “o trauma e a perda,” deter a “desconexão social,” “manter a auto estima” e ao mesmo tempo “gerar ingressos mediante o turismo, o artesanato e outras atividades culturais . . . Parte do nosso desafio é analisar os retornos locais e nacionais para investimentos que restauram e derivam valor do patrimônio cultural, seja de prédios e monumentos ou da expressão cultural viva como a música, o teatro e o artesanato indígena.”

Tanto a proteção das indústrias culturais que França e Canadá obtiveram mediante a exclusão cultural – e para a qual a Convenção oferece uma nova alternativa de proteção da diversidade cultural desde a UNESCO no novo entorno da OMC no qual, os serviços e a propriedade intelectual constituem o viés da análise – quanto a instrumentalização da cultura como recurso econômico ou social, requerem refletir sobre o que fica em risco tanto do lado da proteção quanto do lado econômico. Por exemplo, o turismo cultural pode gerar ingressos para comunidades pobres, como observa Wolfensohn, mas o desenvolvimento sustentável dessas comunidades tem que ser medido em termos do controle que elas têm sobre seus valores, práticas culturais, identidades, etc. e não só nos termos de sustentabilidade econômica. A não sustentabilidade de alguns projetos de turismo cultural pode ser observada no caso da suposta revitalização do Centro Histórico de Salvador (Pelourinho), que “literalmente ‘limpou’ o sítio histórico ao expulsar seus habitantes e suas respectivas práticas cotidianas populares e substituí-las por simulacros culturais turísticos.”[8] Quanto à proteção das indústrias culturais nacionais na França ou Canadá, a exclusão cultural não promoveu a diversidade interna nem internacional: o conglomerado francês Vivendi não só adquiriu a Seagram/Universal em 2000 por US$ 33 mil milhões mas se converteu num espelho da indústria audiovisual de Hollywood com seu Canal Plus, o maior serviço de televisão paga em toda Europa e o maior produtor de cinema de mega orçamentos mediante sua parceria com Carolco Pictures.[9]

A Convenção é uma estratégia para corrigir esses problemas, mas tem que “escapar” da retórica típica das convenções inter-governamentais à especificidade das políticas e estratégias concretas. Mas como já se disse, a convenção oferece um marco idôneo para que as nações procurem medidas para apoiar “diversos modos de criação, produção, difusão, distribuição e fruição das expressões culturais” (ξ4) tanto da diversidade interna dos países quanto a externa, e ademais dando “tratamento preferencial para países em desenvolvimento” (ξ16), assim compensando, senão eliminando o quase monopólio que os grandes consórcios dos países desenvolvidos tem no que diz respeito ao cinema e os países grandes latino-americanos (México, Brasil) no que se refere à televisão. A grande diferença com respeito às políticas de proteção da era do GATT é que a diversidade cultural que promove a Convenção se concebe como uma ecologia global a partir do serviço público (ξ6), contemplando a discriminação positiva para os países em desenvolvimento e as minorias e grupos indígenas internos às nações (ξ2 & ξ7), o fomento de parcerias entre os setores público, privado e terceiro (ξ12 & ξ14), ao apóio especial às médias, pequenas e micro empresas (ξ14), que são, como veremos a seguir, o sine qua non da diversidade, e até ao setor informal (ξ6), que é o mais amplo em certas áreas da produção e circulação de bens e serviços culturais.

Poder-se-ia dizer que o que a Convenção oferece é um marco no qual se pode avaliar a efetividade democrática da administração da oferta e distribuição dos bens e serviços culturais, que é mais ou menos o que um dos melhores estudos entende por economia da cultura: “a economia analisa as relações entre oferta, distribuição e demanda culturais, identifica as falhas de mercado que fazem com que nem todos tenham acesso à produção cultural, mapeia as restrições individuais que limitam seu consumo, sinaliza caminhos possíveis para o desenvolvimento sustentável e sugere ações a serem tomadas para que distorções sejam corrigidas.”[10] Esta é uma orientação muito diferente da cartilha de mercado que impera nos Estados Unidos e nos grandes conglomerados transnacionais, que usam as instituições financeiras internacionais para disseminá-lo. Para começar, reconhece que os bens e serviços culturais são duais, têm valor econômico e valor cultural, que inclui valores estéticos, espirituais, sociais, históricos, simbólicos e de autenticidade, e que não são traduzíveis simplesmente ao valor econômico em termos de preço, diferentemente de outros setores da economia.[11]

Esse preço não se estabelece num ponto de equilíbrio no qual os consumidores estariam dispostos a adquirir tudo o que oferecem os produtores, segundo o modelo de oferta e demanda. A razão pela qual existe esse desvio em relação aos outros bens e serviços no mercado tem a ver com a demanda particular pela cultura. Segundo a teoria da utilidade marginal, o preço de um bem ou serviço cai quando o consumidor está satisfeito. Por exemplo, existe um limite para a quantidade de comida que se pode consumir ou o número de sapatos que se pode comprar. Mas na esfera da cultura “o consumo de uma unidade adicional pode prover maior satisfação e portanto originar um consumo maior.”[12] O gosto determina a demanda, razão pela qual alguém que goste de música ou arte pode apreciar as obras das quais gosta muitas vezes sem esgotar o desejo. Contrariamente com os bens não culturais, que viram mais atrativos se o preço é reduzido, quase ninguém compraria um CD de um músico que não goste; nem levaria o CD de graça. A demanda cultural é acumulativa, ou dito de outra maneira, é um gosto que se cultiva, até o ponto que esse gosto pode definir a identidade cultural. Visto assim, pode-se dizer que o gosto é um capital cultural.[13] “É um bem de consumo que não diminui no momento do consumo.”[14]

Essa peculiaridade dos bens e serviços culturais ajuda a explicar alguns problemas nas políticas culturais públicas e privadas. O que é um bem público em cultura? Primeiro, um bem público é um bem ou serviço que necessariamente é acessível à todos. Por exemplo, as calçadas e as autoestradas podem ser iniciativa de algum setor da sociedade mas são um benefício para todos. O apoio à cultura, concebida como bem público, se justifica em termos econômicos quando se concebe que oferece um benefício para todos. E esse benefício se concebe em geral em termos de externalidades positivas. Em economia se fala em externalidades negativas e positivas. As negativas são aquelas nas quais as decisões econômicas de certos atores sociais têm um efeito negativo para outros ou todos: por exemplo, uma usina que polui o ar não se limita a seu próprio território e repercute na vida de todos. Portanto, tem efeitos econômicos que se verificam logo: como os gastos em saúde. Um bem cultural público seria um bem, evento ou ação que beneficia a todos: por exemplo, o patrimônio cultural contribui com a excelência ou identidade nacional de todos os cidadãos. Portanto o governo deve subvencioná-lo, dado que beneficia todos, mas sua oferta é escassa ou muito onerosa; quer dizer, que o mercado não o distribui ou o distribui mal, pois muitas vezes as decisões são tomadas com base em interesses voltados ao próprio lucro e isso vai contra ao interesse público.

Mas que quer dizer “beneficiar a todos” em cultura? Tomemos como exemplo um patrimônio material e outro imaterial. No primeiro caso, uma igreja da época colonial ou um monumento pré-Colombiano é valorizado porque tem valor histórico que define o legado da identidade nacional. Mas esse patrimônio é realmente de todos? É dos afro descendentes ou dos indígenas que não tiveram “grandes civilizações”? Em relação ao patrimônio imaterial, até poucos anos atrás, só as grandes obras – Alencar, Aleijadinho, Villa-lobos, etc. – eram dignas de serem designadas bens públicos. Mas hoje em dia, com a democratização da cultura, as expressões de diversas comunidades – camponeses que cultivam o bumba-meu-boi, os capoeiristas e os mestres de culturas populares – também se tornaram patrimônio cultural.[15] Nesse caso, o Estado intervêm para ampliar o que se considera “externalidades positivas.” Estas considerações nos fazem cientes da relação entre o que se considera digno de ser bem público e do capital cultural dos que legislam os bens públicos. No segundo caso, se considera que capital cultural não é só o que se aprende nas escolas e nas instituições artísticas – teatros nacionais, museus de belas artes, óperas e sinfônicas – mas também os valores e práticas que definem quaisquer comunidades. Hoje em dia muitos países promovem a diversidade de expressões culturais segundo o princípio de que “todas as culturas, incluindo as das pessoas pertencentes à minorias e as dos povos indígenas” merecem “o reconhecimento da igual dignidade e o respeito” (ξ2).

Mas também existem políticas culturais privadas para compensar um dos grandes problemas da demanda cultural: a sua imprevisibilidade. Isto é um problema fundamental nas chamadas indústrias culturais, que formam parte de uma economia cultural mais ampla que se refere à administração do intercâmbio simbólico, trate-se das artes sem fins lucrativos, das indústrias baseadas na produção de bens protegidos por direitos autorais, ou das culturas populares e o patrimônio. Adiante se explica a abrangência desta economia ampliada, mas aqui a ênfase na imprevisibilidade surgiu no setor mais propriamente industrial onde se procuram economias de escala e onde os que investem milhões de reais na produção de livros, filmes, CDs e videogames, procuram um grande retorno. Em geral, trata-se dos grandes consórcios transnacionais como Sony, EMI, Warner, Universal, etc. e também dos grandes consórcios latino-americanos como Televisa e Globo, que seguem a mesma lógica comercial que procura explorar o potencial econômico dos direitos autorais. As políticas destas empresas voltadas quase exclusivamente ao lucro,[16] para mitigar o risco econômico que deriva dessa imprevisibilidade, reduzem em muitos casos a diversidade de expressões disponíveis no mercado. As tentativas de garantir o consumo levam às empresas a produzirem bestsellers que se beneficiam de um star system ou sistema de celebridades que cobram milhões para sua participação, o qual, junto com os grandes orçamentos para o marketing, encarecem os produtos.

Mas o efeito mais desafiante para a sustentabilidade da diversidade é a dificuldade que tudo o que não pertence à grande escala tem para alcançar visibilidade, que facilita encontrar canais de distribuição e chegar ao mercado. Os distribuidores e exibidores ou disseminadores na rádio e a televisão preferem os produtos dos grandes conglomerados midiáticos porque os publicitários querem garantias de grandes números de consumidores para seus produtos. Portanto, dificilmente aparecem produtos de micro, pequenas ou médias empresas culturais na televisão ou no rádio, assim como produtos de aceitação incerta não encontram inserção e no final repetem-se os casos de sucesso. Os exibidores de filmes preferem as bilheterias garantidas que oferecem os estúdios de Hollywood, que também chantageiam os exibidores com ameaças de não abastecê-los com os filmes mais populares se não aceitarem pacotes que também incluem filmes que os exibidores não pediriam.

Em geral, as micro, pequenas, médias empresas culturais não têm os recursos para conseguir visibilidade. Portanto, para garantir a diversidade que estas empresas, que constituem 93% das que operam no setor cultural brasileiro,[17] oferecem, é importante a recomendação da Convenção: “o fortalecimento das capacidades por meio do intercâmbio de informações, experiências e conhecimentos especializados, assim como pela formação de recursos humanos nos países em desenvolvimento, nos setores púbico e privado, no que concerne notadamente as capacidades estratégicas e gerenciais, a formulação e implementação de políticas, a promoção e distribuição das expressões culturais, o desenvolvimento das médias, pequenas e micro empresas, e a utilização das tecnologias e desenvolvimento e transferência de competências.” Eis aqui onde deveria se incluir o setor informal, pois como escreveu-se acima, a maioria do emprego na área cultural acontece nessa informalidade. O economista Ernesto Piedras usa o termo “unidades econômicas culturais” para incluir o emprego informal dentro dos 95% do emprego que representam as MPEs na economia mexicana.[18] Quem faz a roupa ou cozinha para uma festa local faz parte de uma unidade econômica, mas em geral não é uma micro empresa formal. Mas até nesse nível existem grandes empresas que aprovisionam esses bens e assim eliminam os pequenos – e a diversidade da sua oferta – do mercado. Então, sob essa perspectiva, as políticas públicas de apoio devem dirigir-se não só as empresas formais mas também às unidades econômicas informais.

Segundo o Departamento de Cultura, Mídia e Esporte do Reino Unido (DCMS), às indústrias culturais são “aquelas indústrias que têm sua origem na criatividade, nas habilidades e no talento, e que procuram o bem-estar e a criação de empregos através da geração e exploração da propriedade intelectual.”[19] Para Octavio Getino, as indústrias culturais são aquelas nas quais se produzem, reproduzem, conservam e difundem bens e serviços culturais segundo critérios industriais como mercadorias com conteúdos simbólicos, concebidas para um trabalho criativo, organizadas por um capital que se valoriza e destinadas aos mercados de consumo. Também têm função de reprodução ideológica e social.[20] Estas definições põem ênfase no sentido do lucro e da reprodução mecânica. O objetivo é o crescimento econômico.

Historicamente, a palavra indústria tem a ver com destreza e com ofício, mas com o passar do tempo, sobretudo depois da revolução industrial no final do século 18 e no começo do século 19, o sentido predominante até nossos dias tem a ver com o conjunto de processos e atividades que transformam as matérias-primas em produtos elaborados. Esses processos precisam de energia e máquinas para a transformação e um sistema de transporte para levar as matérias primas às fábricas e logo os produtos ao mercado.

O intercâmbio econômico no mercado é considerado a finalidade desse sentido de indústria. Esse sentido predomina nas chamadas indústrias criativas, que tem sua origem na criatividade e cujo valor se mede na rentabilidade dos direitos de propriedade intelectual que se vendem ou licenciam no mercado, cada vez mais mercado de exportação de bens e serviços voltados ao crescimento econômico. No modelo inglês, muito reproduzido ao redor do mundo, se privilegiam arquitetura, desenho, moda, programas interativos de entretenimento e videogames, além das artes (artes visuais, etc.) e as indústrias culturais tradicionais (cinema, televisão, rádio, livros, revistas, jornais, produção fonográfica, etc.) e se promove a sua exportação.

Mas a idéia de uma economia criativa vai além do meramente industrial neste sentido, uma vez que inclui todas as atividades criativas, sobretudo àquelas que contribuem com o desenvolvimento da sociedade mediante a participação, a reprodução das identidades, a memória e a criação de inovações para solucionar problemas. Como explica Charles Landry no Creative City, os recursos culturais contribuem com a economia, mas também podem contribuir para solucionar problemas como o dos sem teto, prover serviços especiais para os necessitados (p.ex. pavimentar as ruas com paralelepípedos especialmente desenhados para guiar aos pedestres cegos), criar eventos culturais para motivar a participação dos pobres nos serviços sociais e criar empregos (p.ex. o carnaval dos catadores de lixo em Belo Horizonte), etc. [21]

Partes do livro de Landry são compatíveis com a economia criativa voltada ao desenvolvimento. Como escreve Reis, “de pouco adianta estimular o crescimento de setores geradores de montantes siderais de direitos de propriedade intelectual, se a criação dessa riqueza produzida não for acompanhada de uma melhor distribuição de renda, propiciada pela inclusão socioeconômica de descartar os benefícios simbólicos fundamentais, inter alia de democracia de acesso, valorização da diversidade, reforço da identidade nacional.”[22] E como acrescenta Lala Deheinzelin, precisa-se ampliar o conceito da economia criativa a uma “Cadeia Integrada da Economia Criativa” que “engloba todas as etapas do processo criativo: formação, criação, produção, distribuição, acesso, gestão de conhecimento e memória.”[23] Neste sentido, economia criativa tem a ver com o papel da criatividade na administração, organização e distribuição (nomos) da casa (oikos) coletiva ou sociedade. E isso quer dizer “cuidar,” como assinala Deheinzelin.

Como essa cadeia integrada inclui atividades culturais voltadas ao lucro (as indústrias criativas) e baseadas nos direitos de propriedade intelectual “de mérito atualmente reconhecido”;[24] “os direitos [de propriedade intelectual] que ainda não receberam o mesmo reconhecimento” (p. ex. práticas culturais tradicionais, danças, ritmos, etc.); “e os setores que não geram propriedade intelectual,”[25] é necessário conceber um sistema de apóio à cultura que permita o equilíbrio de todas as atividades sem subordinar aquelas que não tem o lucro como ponto de partida.

Uma representação gráfica da economia criativa integral seria semelhante à figura a seguir:



Elaboração de George Yúdice e Sylvie Durán para Asociación Cultural InCorpore, San José,
Costa Rica

A conveniência desta representação gráfica é que mostra tanto os setores mais produtivos, no sentido econômico propriamente dito, quanto os setores que têm mais a ver com a vida comunitária, a participação e o espaço público, que com freqüência está ausente das concepções da economia criativa. Também mostra que esses setores se sobrepõem, o que nos leva a considerar que muitos processos culturais têm atividade econômica ao mesmo tempo que envolvem a participação da sociedade.

No que se segue, a ênfase está no equilíbrio entre valor econômico e valor cultural.

PROMOVER MPEs CULTURAIS E ARRANJOS ALTERNATIVOS DE PROPRIEDADE INTELECTUAL:
Como já se viu acima, o objetivo dos grandes conglomerados culturais é o lucro e para esse fim utilizam estratégias como os bestseller, o star system e o marketing que saturam os circuitos de distribuição, dificultando o sucesso das micro, pequenas e médias empresas. Para as MPEs e outras iniciativas de produção musical ou audiovisual já existem projetos como o Overmundo, que é um site com um banco de cultura que permite que qualquer cidadão brasileiro em qualquer cidade possa incluir conteúdos e a qualquer usuário que baixe ou copie esses conteúdos, o que encoraja a participação à produção cultural do país. E justamente pela inovação social e a incorporação da diversidade cultural que poucos dias atrás o Overmundo ganhou o troféu Golden Nica no Prix Ars Electronica na categoria comunidades digitais. Em lugar de se financiar com a publicidade, como os sites de socialização ou social networking como YouTube e MySpace, o Overmundo tem um financiamento público (do Estado) e privado (da Petrobrás) que permite enfatizar o aspecto social da cultura.

No Overmundo os donos dos conteúdos também podem decidir com qual tipo de licença vão disponibilizar para a sua obra. A licença de Creative Commons pode especificar que o usuário tem acesso gratuito ao conteúdo, pode requerer reconhecimento do autor, pode proibir que se venda ou que uma empresa lucre com ele e até pode requerer um pagamento razoável, diferentemente dos CDs, DVDs e MP3 vendidos na maioria das lojas da web.

A idéia de criar o site veio das viagens de Hermano Vianna, um dos fundadores, por todo o Brasil ao mapear os sons diversos para o livro e a série documental Projeto Música do Brasil para MTV Brasil (2000). Terminado o projeto, o desafio era disseminar a diversidade musical e cultural das 82 cidades do programa para além da MTV. O tipo de intercâmbio que ele conheceu em fenômenos musicais como o tecnobrega de Belém do Pará acabou sendo um dos seus modelos. Essa música local não se acha nas lojas, mas nas ruas através de camelôs. Mas não se trata de música pirata, são pontos de venda alternativos onde o público está acostumado a achar o que procura. Vianna deu o nome de “música paralela” a essa forma de circulação. Em quase todos os casos, o CD funciona como um gancho para atrair os fãs dos shows. Dessa maneira, esses pontos, como o Overmundo, servem como marketing para os shows, que é onde os músicos ganham dinheiro. Em outros contextos (por exemplo, na América Central), os pequenos selos de música servem ao mesmo propósito, ao divulgarem os músicos que logo ganham dinheiro nos shows. Trata-se de modelos alternativos para difundir e comercializar música.

ASSISTÊNCIA ÀS MPEs
Muitos destes selos e outras iniciativas são pequenas empresas à beira da informalidade. Alguns observadores acham – romanticamente – que é bom ter esses negócios fora da legalidade. Mas essa informalidade tem custos sociais. O emprego é irregular, mal pago e não desfruta de importantes benefícios sociais como seguro médico. É dever do estado, principalmente, mas também ao terceiro setor desenvolver políticas para ajudar a estas unidades econômicas a alcançar a formalidade. Na Costa Rica uma ONG deu oficinas em cooperativismo para um grupo de moradores de um povoado pobre no interior do país. Uma mulher cujo marido perdeu o emprego reuniu outras 16 mulheres para fazer tortillas no estilo tradicional, a tortilla tradicional faz parte do patrimônio cultural do país. As cooperativas são grupos de pessoas que oferecem seus serviços com o objetivo de gerar emprego e satisfazer as necessidades da sociedade local. O lucro não é uma prioridade. A associação age como se fosse uma empresa. Conjuntamente, reúnem as condições que não teriam como indivíduos para estabelecer uma economia de escala em produção e distribuição. A ajuda – cursos, oficinas, etc. - do INCAE, serviço privado sem fins lucrativos, semelhante ao SEBRAE nas suas funções, permitiu desenvolver as capacidades necessárias para administrar o negócio. Também operou com uma rede de padrinhos. (Nos Estados Unidos, as câmaras de comércio acostumam ter uma rede de voluntários que ajuda com representação legal e de contabilidade.) Hoje em dia, essas mulheres ganham melhor que antes, têm seguro de saúde, emprego, aposentadoria e pagam impostos, que ajudam a incluir outros no sistema de bem-estar. A fundadora da cooperativa ganhou o Prêmio Nacional de Cultura de Costa Rica em 2004.

ECONOMIA SOLIDÁRIA, CERTIFICAÇÃO, COMÉRCIO JUSTO
A cooperativa das tortilleras é um exemplo de economia solidária. O princípio da economia solidária é que a introdução de níveis crescentes e qualitativamente superiores de solidariedade nas atividades, organizações e instituições econômicas, tanto no nível das empresas quanto dos mercados e as políticas públicas, aumenta a eficiência micro e macroeconômica, e gera benefícios sociais e culturais que favorecem toda a sociedade.[26] Para prevenir o aproveitamento injusto dos serviços que visam estas iniciativas dos pobres (existem muitos casos de empresários que fabricam na China artesanato “autêntico” dos indígenas nacionais e o vendem em mercados solidários), é importante um sistema para assegurar que só os que apresentam certas condições podem desfrutar dos benefícios.

Um dos mercados solidários é o do comércio justo, forma alternativa de comércio promovido por ONGs, a ONU e movimentos sociais e políticos que garantem uma relação justa entre os produtores dos países em desenvolvimento e os consumidores dos países ricos. Os princípios que subscrevem são: cooperativas democráticas, com igualdade entre homens e mulheres e sem exploração do trabalho infantil; preços que permitam condições para uma vida digna, não existindo intermediários entre produtores e consumidores; que os compradores paguem adiantado pela mercadoria; que se ofereçam incentivos para a proteção do meio ambiente; e a origem do produto é parte do marketing. Fairtrade Labelling Organizations International (Associação do Selo de Produtos do Comércio Justo) consiste em 21 organizações de Comércio Justo certificadas na Europa, Japão, América do Norte e Oceania.

Um exemplo do Comércio Justo, na música, é o site Calabashmusic.com. Segundo o site, o modelo de negócio de intercâmbio eqüitativo e a ênfase em artistas internacionais da World Music, está revitalizando a indústria da música nos países em desenvolvimento ao redor do mundo. Contrário ao arranjo com as majors – os grandes conglomerados de entretenimento que pagam entre 8% e 12% – os artistas ficam com a metade de cada venda, e como o que se intercambia tem forma digital, evitam-se os altos custos de fabricação, marketing e distribuição. A idéia é permitir que os artistas controlem a sua arte, que possam auto-produzir a sua música e auto-promover a sua carreira, e se relacionar diretamente com a comunidade de fãs.

TURISMO CULTURAL SUSTENTÁVEL
Um arranjo semelhante existe em comunidades que buscam controlar o turismo na sua área. Um dos melhores exemplos são os indígenas da ilha Taquile, na Lagao Titikaka entre Perú e Bolívia. Como as grandes cadeias de hotéis poluem o ambiente, tanto com desperdícios quanto com a banalização da cultura das comunidades locais, o auto controle desse negócio é fundamental. Em Taquile, os visitantes ficam nas moradias que os indígenas construíram. Igualmente com a comida; não existem marcas comerciais na ilha. Se consome o que produzem os indígenas. E o museu, na tradição dos museus comunitários, trata de vida cotidiana da comunidade, com especial referência ao trabalho agrícola e cultural.

CIDADES CRIATIVAS CULTURALMENTE SUSTENTÁVIES
O modelo metropolitano das cidades criativas – Londres, Barcelona, São Francisco, etc. – e os consultores europeus (sobretudo ingleses) que promovem esse modelo, em geral não se preocupam com a ocupação eqüitativa do espaço urbano. Na maioria das cidades criativas se dá o fenômeno da gentrification, que é basicamente a melhoria da infra estrutura e do espaço urbano e a dispersão das populações pobres, que são expulsas. Com a sua expulsão o valor dos imóveis cresce e os developers se tornam ainda mais ricos. Em muitos casos, essa gentrification se consegue mediante o desenvolvimento cultural, a construção de equipamentos e corredores culturais. Segundo a teoria de Richard Florida em The Creative Class, a oferta cultural atrai aos inovadores (designers de software, etc.) que ao mesmo tempo contribuem mais com os cofres do município.

Mas só em algumas cidades existe algo semelhante ao comércio justo em desenvolvimento urbano. É o caso da pequena cidade de Peekskill, a uma hora ao norte de Nova York. Com a des-industrialização das décadas de 1960 e 1970, as populações minoritárias (afro descendentes e porto-riquenhos), que se radicaram ali nas décadas anteriores para trabalhar nas fábricas do setor têxtil, ficaram sem trabalho e com a pobreza a atração para a criminalidade e as drogas aumentou. Depois do sucesso de SOHO, Chelsea e outros bairros que iniciaram a sua reforma a partir da presença de artistas, uma coalizão de vários grupos de todos os setores – privado, público, terceiro – desenhou um plano não só para atrair artistas, mas para criar empregos e integrar as minorias empobrecidas nessa nova iniciativa. Para atrair artistas, uma corporação público-privada ofereceu lofts por 1/5 do preço de Nova York, com empréstimos até 80% garantidos. A corporação transformou antigas fábricas em lofts e em um grande museu, que geraria muita atividade artística. Também atraíram artistas que trabalham com fotografia, cinema e outras artes. E para conseguir um efeito multiplicador no emprego, deram empréstimos e créditos para que os moradores abrissem negócios para vender materiais artísticos. A integração dos mais pobres a esta nova economia cultural se logrou oferecendo incentivos especiais para minorias que quisessem abrir negócios relacionados às artes. E finalmente, impulsionaram o turismo, estabelecendo uma rota de visitas desde Nova York, vendendo pacotes para visitar uma série de museus locais nas cidades vizinhas. Trata-se de um plano integral, sustentável não só no sentido econômico, mas também social e cultural.

FINANCIAMENTO
Finalmente, toda iniciativa cultural precisa de financiamento. Existem muitos modelos, desde os subsídios estatais às parcerias das venture capital firms (algumas das quais se especializam em investimento social) até a moeda social. Um dos melhores tratados de financiamento cultural no Brasil são os livros de Reis, Marketing Cultural e Financiamento da Cultura (2003), e o último capítulo de Economia da cultura e desenvolvimento sustentável, oCaleidoscópio da cultura (2006). Uma iniciativa interessante nos Estados Unidos é a Creative Capital, uma fundação que surgiu para compensar os artistas pela queda de fundos públicos devida ao escândalo provocado por uma mostra de fotografias do artista Robert Mapplethorpe, que alguns senadores conservadores acharam obscenas. Várias fundações colaboraram na criação deste fundo, que não só procurou oferecer bolsas, mas também exigiu que os artistas que as receberam participassem de oficinas, aproveitando melhor as vantagens da ação da fundação. A idéia era criar um espírito mais empreendedor nos artistas, sobretudo para que conhecessem melhor seus públicos, que afinal de contas seria quem lhes tornariam sustentáveis.

CONCLUSÃO
Uma economia cultural voltada ao desenvolvimento e à sustentabilidade requer mais que medidas e incentivos. Como no exemplo de cidade de Peekskill, requer um plano abrangente, com inventários em todos os tipos de trabalhadores culturais, atividades, equipamentos, fontes de apóio, assessoria e financiamento, etc. Em alguns casos se procura começar com indicadores e medições; mas antes disso, precisam-se de inventários e estatísticas básicas e também do conhecimento das necessidades das populações que trabalham e participam da cultura. Sem esse tipo de estudo, os financiamentos e incentivos podem ser mal aplicados e fracassar. São necessários ademais planos para equilibrar as ações dos grandes empreendimentos culturais – as majors musicais ou audiovisuais e as grandes cadeias hoteleiras em turismo – com as iniciativas das MPEs, que são as mais indicadas para promover a diversidade cultural de um país.

No início deste ensaio assinalamos que a Convenção para a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais é um bom ponto de partida, pois estabelece um marco de referência para legislar medidas específicas voltadas à sustentabilidade cultural. Neste ensaio revisamos algumas políticas, medidas e iniciativas. Um trabalho mais prático requer inventários, mapas, trabalho de campo e entrevistas com as populações alvo e bancos de boas práticas. Tudo isso é o que os leitores deste ensaio deveriam e poderiam fazer.

[1] Stakeholder em inglês refere-se a todo ator social que tem um interesse (um stake) em qualquer situação, sobre tudo em situações em que políticas públicas ou ações privadas afetam a sua vida. Por exemplo, se uma usina nuclear decide se estabelecer num bairro, todos os moradores são stakeholders, porque eles vão sofrer, ou se beneficiar, da produção de energia ou poluição radioativa. O processo democrático é aquele em que todos os stakeholders têm oportunidade de participar nas decisões que afetarão a sua vida.
[2] Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento. 1988. Nosso futuro comum (1987). Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas.
[3] Throsby, David. 2001. Economía y cultura. Madrid: Cambridge University Press. Págs. 64-66. Ver também, Yúdice, George. 2000. “Para una ecolobía cultural.” Artigo horizontal de conclusão para o “Seminario Nuevos Retos y Estrategias de las Políticas Culturales Frente a La Globalización.”
Instituto d’Estudis Catalans, Barcelona 22 a 25 de novembro; e Yúdice, George. 2005. A Conveniência da Cultura: Usos da cultura na era globa. Belo Horizonte: Editora da Universidade Federal de Minas Gerais.
[4] “As contas satélite respondem à necessidade de expandir a capacidade analítica das contas nacionais em determinadas áreas de interesse social, de maneira flexível sem sobrecarregar ou desorganizar a estrutura integrada do sistema de contas nacionais. Por exemplo, o turismo, o meio ambiente, a educação, a cultura, o setor saúde, a produção de serviços domésticos não remunerados, entre outros.” Hada Desirée de Morales, “Proyecto de construcción de una Cuenta Satélite de Turismo en El Salvador.” Seminário sobre Contribuição do Setor Cultural ao PIB, Programa nas Nações Unidos para o Desenvolvimento, San Salvador, 30 de março de 2007.
[5] Reis, Ana Carla Fonseca, comunicação pessoal, 27 de maio de 2007.
[6] Essa perspetiva de Throsby revela uma visão predominantemente artístico-moderna, pois existem muitas obras culturais tanto na história quanto na modernidade (festas, artesanato, relatos orais – o que se chama patrimônio imaterial) que são coletivas e não únicas.
[7] Banco Mundial. 1999. Culture Counts: Financing, Resources, and the Economics of Culture in Sustainable Development. Proceedings of the Conference. Washington, D.C. http://WBLN0018.Worldbank .org/Networks/ESSD/icdb.nsf/D4856F112E805DF4852566C9007C27A6/4D4D56F007815BD1852568C8006741DF
[8] Jacques, Paola Berenstein. 2005. “Do especular ao espectacular” Resenha de Espelho das Cidades, por Henry-Pierre Jeudy. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2005. Resenhas Online, Biblioteca Virtual Vitruvius. http://www.vitruvius.com.br/resenhas/textos/resenha123.asp
[9] Miller, Toby et al. 2005. El nuevo Hollywood. Del imperialismo cultural a las leyes del marketing. Barcelona: Paidós. Págs. 133-142.
[10] Reis, Ana Carla Fonseca. 2007. Economia da cultura e desenvolvimento sustentável. O Caleidoscópio da cultura. Barueri, São Paulo: Manole. Pág. 7.
[11] Throsby, 43-44.
[12] Rama, Claudio. 2003. Economía de las industrias culturales en la globalização digital. Buenos Aires: Eudeba. Pág. 67.
[13] Este é um sentido levemente diferente do termo “capital cultural” que se usou mais acima (ver nota 3). Ali o sentido é do acúmulo de práticas simbólicas (ou do sentido simbólico do patrimônio e outros bens materiais com que as comunidades se reproduzem), e portanto trata-se de um sentido coletivo, o legado para comunidades e inclusive para a humanidade. Por outro lado, a questão das preferências ou gostos do consumidor no processo de oferta e demanda é um fenômeno mais micro. Mas pode ter conexões entre um nível e ou outro: por exemplo, as preferências dos indivíduos de um grupo ou classe social em geral têm muitas coincidências que tem a ver com a maneira em que esse grupo ou classe se diferencia dos outros. O conceito de habitus de Bourdieu capta essas formas de conduzir-se, pensar e sentir que provêm da posição que uma pessoa ocupa na estrutura social. Para Bourdieu, as classes sociais lutam não só políticamente mas também no uso que faz do capital cultural, em relação ao qual se estabelece o ordem legítimo e por tanto excludente. Existe, pois, uma relação entre a posição econômica e sociocultural das classes sociais e é nesse relacionamento onde funcionam os gostos não só como preferências individuais mas também como práticas de distinção. Ver Bourdie, Pierre. 1979. La distinction (critique sociales du jugement). Paris: Éditions de Minuit.
[14] Piedras, Ernesto. 2004. ¿Cuánto vale la cultura? Contribución económica de las industrias protegidas por el derecho de autor en México. México: CONACULTA. Pág 107.
[15] No link a seguir pode-se encontrar a lista de patrimônio intengível registrada no IPHAN. http://portal
Iphan.gov.br/portal/montarPaginaSecao.do?id=12456&retorno=paginaIphan
[16] Os consórcios transnacionais são empresas públicas (no sentido de que se vendem ações nas bolsas de investimento) cujos investidores pressionam para alcançar grandes retornos.
[17] Segundo o Sistema de Informações e Indicadores Culturais do IBGE, base 2003, revelou-se que “Considerando o porte das empresas, segundo o número total de pessoas ocupadas, observa-se que as empresas com até 9 pessoas ocupadas representavam 93,0% do pessoal ocupado total, mas responderam por 37,3% do pessoal ocupado total e por 15,8% do pessoal ocupado assalariado. No outro extremo, as empresas com mais de 500 pessoas ocupadas representavam apenas 0,1%, mas responderam por 22,7% da ocupação e por 31,4% do pessoal ocupado assalariado.”http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/ indic_culturais/2003/indic_culturais2003.pdf
[18] Piedras, Ernesto. s/d. “Empresas culturales en la base de la pirámide.” México: The Competitive Intelligence Unit. Pág. 2.
[19] DCMS (Department of Culture, Media and Sport) (2001) Regional Cultural Data Framework, a report by Positive Solutions, Business Strategies, Burns Owens Partnership and Andy C. Pratt. London: DCMS. http://www.culture.gov.uk/global/publications/ archive_2001/ci_mapping_doc_2001.htm
[20] Getino, Octavio. 2006. “La dimensión económica de la cultura y las industrias culturales: desafío de las políticas y la gestión cultural.” Clase 13 del Posgrado en “Gestión y Política en Cultura y Comunicación,” FLACSO Sede Argentina, Buenos Aires, 20 de noviembre.
[21] Landry, Charles. 2000. The Creative City. A Toolkit for Urban Innovators. Londres: Earthscan Publications.
[22] Reis, pág. 293.
[23] Deheinzelin, Lala. s/d. “Economia criativa, uma visão do hemisfério sul.. Documento Final do Seminário “ Las Indústrias Culturales:Procesos de desarrollo, consumo cultural y cuentas satélites de cultura” Agencia Española De Cooperación Internacional (AECI), Organización De Estados Iberoamericanos (Oei) Y Programa Acerca.
[24] Cabe mencionar que os países “desenvolvidos,” como os EEUU, Japão e os mais ricos da União Européia promovem o fortalecimento do regime de propriedade intelectual. Em um mundo em que a produção industrial está passando aos países em desenvolvimento, o lucro para as empresas dos países ricos depende do que um crítica chamou “protecionismo dos ricos” contra o desenvolvimento. [Sell, S.K. 2005. Private Power, Public Law: The Globalization of Intellectual Property. Cambridge: Cambridge University Press.] Freqüentemente se fala na necessidade de fortalecer o regime de propriedade intelectual para promover o desenvolvimento dos pobres, mas isso é um engano. O mesmo relatório do PNUD sobre “assistência, comércio e segurança num mundo desigual” assinala que as regras respeita à propriedade intelectual da OMC apresentam um adupla ameaça: encarecem o custo da transferência de tecnologia e aumentam os preços de medicamentos e de bens e serviços baseados em direitos autoriais. Ver United Nations Development Program. 2005. International Cooperation at a Crossroads: Aid, Trade and Security in an Unequal World. New York: http://hdr.undp.org/reports/global/2005/
[25] Reis, pág. 295.
[26] Campus Virtual de Economía Solidaria. http://www.economiasolidaria.net/