sexta-feira, 8 de junho de 2007

INDÚSTRIA CULTURAL

Estudo econômico da cultura é fundamental para elaboração de políticas públicas
Cultura e Mercado - Carlos Gustavo Yoda*

Quando Gilberto Gil assumiu o Ministério da Cultura, a elaboração e gestão de políticas públicas foram divididas em três eixos de atuação: simbólico, cidadão e econômico. Raros são os estudos acadêmicos que se propõem a dialogar sobre economia e cultura com a profundidade que esta complexa dimensão da cultura necessita. Um dos motivos da falta de pensamento acerca do tema, de acordo com pesquisadores que participaram do III Enecult (leia mais), é a ausência de dados estáticos para estudar a chamada indústria criativa.

Como já afirmou o ministro, o Estado tem um papel vital no fortalecimento da economia da cultura, seja no levantamento do potencial, seja no planejamento das ações, na articulação dos agentes econômicos e criativos, na mobilização da energia social disponível, no fomento direto, na regulação das relações entre agentes econômicos, na mediação dos interesses dos agentes econômicos e dos interesses da sociedade, assim como na fiscalização das atividades. “Não se trata de reabilitar o Estado produtor de cultura, ou o Estado dirigista. Ao contrário. Parte-se do princípio de que o Estado pode e deve estimular um ambiente favorável ao desenvolvimento de empresas e criadores, para que o mercado possa ampliar-se e realizar seu potencial, não apenas de auto-sustentabilidade, mas de ganhos sociais (emprego, renda, inclusão ao consumo de bens culturais)”, conclui o ministro, em palestra de 2005 (leia aqui).

As atividades culturais já constituem um dos setores mais dinâmicos da economia mundial. Segundo levantamento da PriceWaterhouse Coopers, a economia da cultura no planeta crescerá em média 6,3% ao ano no período 2004/2008, para um crescimento geral de 5,7%.

O impacto econômico da cultura pode ser ainda maior se visto sob uma interpretação antropológica mais ampla sobre o que é cultura. Para o economista Fábio Sá Earp, pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro, os economistas só conseguem ver uma forma de negociação: o comércio, enquanto, segundo o consenso acadêmico presente no encontro de Salvador, cultura é tudo o que fazemos do nosso tempo livre.

Dessa forma, podemos interpretar como economia criativa todo o consumo de conteúdo informativo, da venda de jornais a quanto uma emissora de tevê recebe de verbas publicitárias; da pechincha de um boneco de mestre Vitalino em uma feira livre, à escolha de um azulejo para uma cozinha; de uma sessão de um filme blockbuster no Cinemark, à aquisição de quatro devedês por dez reais em um camelô; da compra direta de um cocar indígena em uma aldeia à última roupa da moda na Daslu ou na Daspu.

Para Maria Salete Nery, doutoranda em Ciências Sociais da UFBA, há “um enlace, ou melhor, um engate entre economia e cultura que precisa ser reconhecido, debatido e aprofundado. Discutir moda, por exemplo, significa discutir os rumos do capitalismo”. A pesquisadora explica que desenvolveu um estudo que tomou como ponto de partida a produção do vestuário em Salvador. Porém, como os caminhos que a curiosidade guiou o olhar, a pesquisa abrangeu um universo muito mais amplo e alcançou uma discussão cultural central na relação humana: a busca da identidade.

“O Brasil não exporta apenas maiôs e biquínis ‘made in brazil’. Exportamos o jeito de se exibir do verão brasileiro. Mais do que uma peça de roupa, o que se comercializa nas indústrias criativas é o valor simbólico das coisas. E isso é difícil de medir”, pontua Maria Salete.

O economista venezuelano, Daniel Mato, entende que todas as indústrias são culturais: “Sempre é possível fazer uma análise, do que quer que seja, com um olhar cultural”. Matos considera que toda relação parte de princípios intangíveis. Segundo ele, devemos nos questionar por que é um processo cultural comer uma feijoada em Nova Iorque e em São Paulo não é. Assim, até mesmo os hábitos alimentares, da gastronomia de tradições, podem ser incluídos entre as estatísticas da cultura.


Indicadores Estatísticos

Antônio Carvalho Cabral, FGV Direito – Rio, diz que é difícil encontrar informações sobre as indústrias culturais: “Eles vivem dentro de um mundo paralelo, onde muita coisa acontece de forma informal, como o jabá nas rádios e tevês”.

Conforme relatório do BNDES, no Brasil, os dados são incipientes, mas ainda assim reveladores. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada - Ipea, o setor respondia, em 2004, por 5% dos empregos formais do país. O Mercosul Cultural informa que, em 2004, o impacto no PIB era de 5%. Pesquisa da Fundação João Pinheiro, por sua vez, indica que, de 1985 a 1994, as atividades culturais respondiam por 160 novos postos de trabalho por cada R$ 1 milhão investidos, superando o turismo, a construção civil e os demais setores.

Economista ligado à Secretaria de Políticas Culturais do MinC, Felipe de Oliveira Ribeiro afirma que o estudo econômico da cultura é fundamental para a formulação de políticas públicas. Felipe trabalha atualmente na finalização do Anuário Estatístico da Cultura Brasileira, que deve ser lançado em setembro, para municiar constantemente o aprofundamento de pesquisas para formulação e monitoramento das políticas culturais.

O representante do Ministério, que também apresentou trabalho no III Enecult, explica que o ideal seria abranger nos indicadores as três dimensões da cultura (simbólica, cidadã e econômica), porém, torna-se praticamente inviável medir a dimensão simbólica da cultura.

Felipe Ribeiro utiliza como exemplo da complexidade dos estudos a cadeia produtiva da música, que se dá através de um tripé produção, distribuição e consumo. “A economia da música é baseada em economias de grande escala, em um processo controlado, em sua maior parte, por grandes gravadoras”, destaca. Com todo o entendimento já comum das práticas tradicionais da indústria cultural e o estudo de novas práticas informais de produção (leia mais), o pesquisador do MinC acredita que os formuladores de políticas podem pensar novos modelos de negócios para a cultura, valorizando mais os produtores culturais do que os atravessadores hegemônicos da indústria cultural.

Carência dos Números

O diretor de cinema e televisão argentino, Octavio Getino, lembra que os primeiros estudos sobre economia e cultura datam de 1910, na Alemanha. Ele lembra que, em 99, participou de um estudo sobre as dimensões culturais e o processo de integração do Mercosul: “Os departamentos de economia dos países envolvidos não computavam a movimentação sobre cultura porque simplesmente não sabiam o que poderia ser inserido como cultural”.

No ano passado, o IBGE, pela primeira vez, iniciou estudos e já está desenvolvendo um censo cultural que deve levantar toda a discussão econômica e estatística da cultura brasileira. Na Bahia, também já está em início de trabalho o Observatório Internacional para Indústrias da Criatividade. Isaura Botelho, que participa da análise dos dados do IBGE afirma que o processo de estudos acadêmicos não é tão veloz como as políticas necessitam, mas, em breve, uma análise mais profunda sobre a cultura no Brasil de hoje deve dar sustentação para a urgência de novas políticas de regulação para o setor.

(*) Carlos Gustavo Yoda cobriu o III Enecult a convite da organização do evento.
http://www.culturaemercado.com.br/setor.php?setor=4&pid=2953

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